Ano do Centenário da Revolução Bolchevique, 2017 irrompe a realidade em meio a um contexto de angústias e incertezas, até por conta das condutas bizarras cometidas em 2016. Em todos os quadrantes do Planeta, setores irremediavelmente atrasados tomaram de assalto o porvir da humanidade: o egoísmo, o ódio, a mesquinhez e a sórdida ganância suplantaram de modo avassalador, e até irresponsavelmente suicida, a inteligência e o altruísmo consolidados pelas sociedades humanas ao longo do século XX.
Assistir aos noticiários televisivos, sobretudo nas últimas décadas, passou a ser um ato tresloucado, porque masoquista. Conseguem ser piores que a produção mais burra e despudorada da filmografia underground dos medíocres pretensos (per)seguidores de Alfred Hitchcock da década de 1980 e seu atabalhoado suspense de gosto e originalidade duvidosos. Joseph Goebbels, e não Ben Bradlee, está em alta nas centrais de “jornalismo” nos bisonhos tempos da “pós-verdade” incubada pelos (sic) “serviços de inteligência”. Tanto assim, que passou quase despercebida a morte, dois anos atrás, do ousado editor do Washington Post que apoiou incondicionalmente seus repórteres Bob Woodward e Carl Berstein nas investigações do “Caso Watergate”, ocorrida um dia depois da do fotojornalista René Burri (que em 1959 cobriu a Revolução Cubana e eternizou o semblante de Che Guevara com seu charuto), sem que qualquer jornalão ou revistona dedicasse uma página sequer a esses dois ícones da imprensa da segunda metade do século XX e da história do jornalismo verdadeiro.
Quem, afinal, são os corresponsáveis pela ascensão ao topo do poder de personagens sobrenaturais, porque saídos do mundo dos vampiros, como Trump, Temer, Macri, Le Pen e assemelhado(a)s? Esses verdadeiros mercenários da imprensa, porque conscientes (ou inconscientes) de seu papel, transformaram seus locais de trabalho em meios de conspiração! É claro que com o imprescindível “ajutório” de políticos em decadência, fieis serviçais do império do caos. No caso do Brasil, não perderemos nosso valioso tempo com espectros como Zé S(f)erra ou Santo Alkmin-sta, Aéreo Never ou Aloysio Se-Marighela-pudesse-falar, Zé Animal ou Heráclito Fortes, Romero (seu nome já o condena) Jucá, Eliseu Pa(n)dilha ou Gediel Alfa Ville, Antônio Embaixaí ou ACM Nato. A lista da Odebrecht já se encarregou disso. Ficaremos apenas no registro do blefe que foi a carreira do ex-“camarada” Roberto Freire na esquerda (isto é, no PCB): enganou-nos, sim, porque usou o discurso e a história do velho Partidão para depois entregar-se aos piores quadros da política brasileira e ao final prestar vergonhosos desserviços aos inimigos do Estado Democrático de Direito do (des)governo Temer-Cunha, como coveiro das políticas culturais.
Atribui-se ao genial Gabriel García Márquez a constatação de que “pior que um conservador convicto é um esquerdista arrependido”. Óbvio, porque, como todo “convertido”, a necessidade de se afirmar perante os outros e, sobretudo, para si mesmo, o torna excessivo, redundante, “fanático” – tanto é verdade, que os “cristãos novos” eram vistos pelos demais cristãos com certa precaução nos séculos posteriores aos igualmente tenebrosos tempos inquisitoriais, que parecem estar voltando, desta feita, pela via dos reformistas convertidos, sejam eles dos mais diferentes matizes religiosos, políticos ou ideológicos.
Dizem, finalmente, que de tudo se tira algo bom. Com sinceridade, temos dúvidas, apesar de insistirmos na dialética. Mas fica o consolo de que 2016, em que pesem as perdas irreparáveis de toda ordem – humana, física, material, espiritual, ética, política, civilizatória, social, econômica etc –, serviu para acabar com muitos mitos. No Brasil, por certo, foi oportuno para tirar a máscara de muito “Joãozinho do passo-certo” e “Mariazinha do passo-certo”, em todos os contextos da vida nacional. E porque é dialético apostar no eterno devir transformador, do fundo do âmago, da essência do ser, tenhamos todos juízo suficiente para conquistarmos um 2017 da estatura da humanidade, à altura da inocência infinita da população infantil de hoje e sempre, que, ao lado dos despossuídos porque explorados, é vítima da avareza, da sordidez, da cobiça e da desfaçatez de uma minoria caquética que teima levar o planeta para o caos, com o único afã de conservar a ferro e fogo seus privilégios anacrônicos e insanos.
Nas palavras de um operário aposentado entrevistado por um sagaz repórter da Band, outrora emissora de vanguarda, numa rua da periferia de São Paulo: “Crise é pretexto para covarde, preguiçoso e bandido. É só ignorar, e seguir em frente.” Feliz e próspero 2017, ano do centenário dos “Dez dias que abalaram o mundo”, no célebre dizer de John Reed em sua cobertura jornalística que entrou para a história.