Congresso Nacional, 15 de janeiro de 1985: Tancredo Neves e José Sarney impuseram, no Colégio Eleitoral, uma derrota acachapante ao candidato da ditadura Paulo Maluf, pondo fim ao regime de 1964. Entretanto, a posse do primeiro presidente civil foi traumática: não pôde tomar posse por ter sido, na véspera do ato, internado em caráter de urgência no Hospital de Base de Brasília, e a solenidade de posse se converteu em uma verdadeira disputa política. A firmeza do Doutor Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, assegurou a posse do vice-presidente eleito, ante a irritação de João Figueiredo, último general presidente do ciclo, que saiu pela porta dos fundos do Palácio, sem ter passado a faixa a José Sarney, como reza do protocolo.
Antes de continuar a linha do tempo, paremos para uma reflexão necessária: teria sido mera coincidência a data da deflagração da avalanche golpista pelos terroristas das hordas masturbadas, atiçadas, assanhadas e adestradas pelo inominável desde antes de assumir seu mandato, em que tudo foi feito, menos cumprir com seus deveres e atender às demandas sociais, culturais, educativas, econômicas e sanitárias de toda a população?
Os ‘órfãos’ da linha dura da ditadura, que tinham como paradigmas Grün Moss, Silvio Heck, Olympio Mourão Filho, Emílio Garrastazu Médici, Orlando Geisel, Odylo Dennys, Augusto Rademaker, Octávio Medeiros, Ednardo D’Avila, Hugo Abreu, Sylvio Frota e Newton Cruz, não se deram por vencidos, e, recorrendo a discursos como o de que não aceitariam ‘revanchismo’ (sic) da Nova República, logo procuraram novas formas de se manter incólumes, mas não mais pela Lei de Anistia, que é de 1979 e, portanto, não mais os contemplava.
O menos discreto deles foi Newton Cruz, por sua verve ao mesmo tempo contundente e sibilina, e que, por ter sido um dos últimos chefes do SNI recorrentemente era procurado para dar explicações pelos atentados nunca elucidados e cujos autores nunca punidos. No entanto, em 1987 surge o inominável com seu exibicionismo de títere desinteligente e excessivamente exibicionista: foi capaz de fazer publicar na Veja o que imaginava ato ‘louvável’, um tresloucado plano de detonação da maior adutora da cidade do Rio de Janeiro com o propósito de manifestar a sua contrariedade com os comandantes da Nova República, o que quase lhe custou ter se transformado em desertor.
Embora o ato de terrorismo confesso e explicitamente autodenunciado pelo inominável fosse capaz de levá-lo a uma sentença bem maior que a recebida, esse ser destituído de qualquer sensibilidade humana e empatia não só foi poupado da deserção como recebeu promoção sem qualquer mérito. Tudo indica que muitos generecos sanguinários da linha dura já demonstravam profundos laços de pertencimento compartilhados com ele, que em 1988 se elegeu vereador e entre 1990 e 2014 deputado federal medíocre digno de pertencer à ralé do parasitismo político, no baixíssimo clero da Câmara dos Deputados.
Em menos de quatro anos do fim da ditadura, isto é, em 1989, os ‘órfãos’ da linha-dura já estavam se rearticulando com Fernando Collor (PRN), Enéas Carneiro (PRONA) e Paulo Maluf (PDS) até emplacar, por meio da atuação de Eduardo Villas-Boas e Sérgio Moro, o inominável, fantoche atabalhoado em 2018, assessorado por Augusto Heleno durante todo o seu mandato, e cujas hordas ensandecidas conspiraram contra o Estado de Direito desde antes do início de seu mandato e que no dia 8 de janeiro de 2023, uma semana antes da emblemática vitória da Democracia sobre a ditadura, chegaram ao cúmulo do êxtase, da ejaculação fedorenta da barbárie.
Obsessivos, obcecados, fanáticos, energúmenos, mente rasa, mentirosos compulsivos e, sobretudo, covardes — não ficou claro? c-o-v-a-r-d-e-s, é o que são! –, os ditos ‘homens de bem’ (bens?), ‘patriotas’, ‘cristãos’ e ‘defensores da moral e dos bons (sic) costumes’ nunca passaram de tremendo mau-caráter, recalcados, invejosos, perversos, egoístas e, a bem da verdade, ‘trocadores de faquinha’, por isso misóginos (e o pior é que não saem do armário!). Tiveram, mesmo recorrendo às perversidades de Sérgio Moro (feito papel higiênico, usado e descartado) e às ilicitudes de Villas-Boas, depois de 33 anos, a chance de governar, mas não o fizeram: preferiram mentir, ameaçar, conspirar, chafurdar, prevaricar, procrastinar, conspurcar, fornicar e masturbar a si e às suas hordas, em uma eloquente mostra de despreparo, incompetência e imaturidade.
Há muitas questões que não fecham, decorridos 38 anos da emblemática vitória no Colégio Eleitoral da Aliança Democrática, coligação entre PMDB e PFL — formado por dissidentes saídos do PDS, partido do regime liderado então pelo pior representante da ditadura, o governador Paulo Salim Maluf, um político inescrupuloso e reconhecidamente corrupto (resolvia quase tudo por meio de cooptação pecuniária de seus ‘seguidores’, e o que não conseguia, mediante perseguição política tirânica).
Hoje muitas delas vêm à tona: a) por que o primeiro presidente civil pós-ditadura, Tancredo Neves, não foi levado quanto antes para São Paulo, em vez da sucessão de cirurgias que acabaram, por causa da infecção hospitalar ocorrida no Hospital de Base de Brasília, levando-o a óbito antes mesmo de assumir a Presidência da República; b) quais são os mandantes do atentado frustrado da noite de 30 de abril de 1981 no Rio Centro, cujos autores ainda permanecem impunes, embora seus colegas tenham atribuído a autoria, na época, aos da linha-dura; c) quem mandou e quem executou os atentados em cartas-bomba destinadas aos dirigentes de entidades da sociedade civil que lutavam pela democratização do País (responsáveis pela morte de Dona Lyda Monteiro, secretária da direção nacional da OAB, ainda impune); d) quais os mandantes e executores dos atentados com bomba incendiária contra bancas de jornais que vendiam semanários alternativos (O Pasquim, Opinião, Movimento, Versus, Voz da Unidade etc); e) a colisão nunca elucidada a contento do avião de Castelo Branco com um caça da Esquadrilha da Fumaça pouco mais de um mês da aposentadoria do primeiro presidente militar pós-1945 e que saiu dizendo que gostaria de entregar o cargo a um presidente civil eleito em eleições diretas e secretas, curiosamente sucedido por um representante da linha dura.
Uma das aberrações não resolvidas com a herança maldita da ditadura é a figura bizarra de Augusto Heleno, general que esteve durante todo o mandato do inominável tomando conta do que ele mais gosta, o Gabinete de Segurança Institucional, sob a pomposa sigla de GSI: espionagem ‘y otras cositas más’. Como ajudante de ordens de Sylvio Frota, general da linha-dura que ousou afrontar o então general-presidente Ernesto Geisel, ele acumulou bastante know-how do mais recalcitrante grupo de militares que, em pleno regime militar, insinuou quebrar a disciplina e a hierarquia para amotinar-se contra a condução política de Geisel, então assessorado por Golbery do Couto e Silva, general que, apesar de ser declaradamente pró-Estados Unidos, melhor entendeu de Geopolítica não só no Brasil como em todo o hemisfério sul.
Golbery do Couto e Silva, durante o breve mandato do marechal Castelo Branco, foi o estrategista político do primeiro presidente militar do regime recém implantado. Não só pelo, digamos, ‘mérito’ de ter sido o articulador militar do golpe de 1º de abril de 1964, ao lado de civis como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Auro de Moura Andrade, Pedro Aleixo, Rondon Pacheco e Ranieri Mazzili, mas por conta de sua expertise e do excelente relacionamento com militares de alta patente dos EUA em plena efervescência da guerra fria.
Assim como Augusto Heleno, Eduardo Villas-Boas só depois da deposição da Presidenta Dilma Rousseff revelou sua recaída pela linha dura de 1964. Quando comandante do Exército nomeado por Dilma Rousseff, Villas-Boas aparentava ser institucionalista, sem qualquer contaminação pela extrema-direita representada pelo inominável. Mas foi só Michel Temer, em parceria com Eduardo Cunha, ter dado o golpe em 2016, e passa a se mostrar um defensor, inclusive, de condutas nada ortodoxas no tocante ao cumprimento da disciplina, da hierarquia e da unidade exigidas para a caserna pelo Estado de Direito.
Tanto que, na posse do inominável, como de hábito nada discreto, afirmou com todas as letras que lhe devia o cargo pela conduta ‘patriótica’ naquele ano, tendo-o nomeado para a chefia o GSI, sendo sucedido por Heleno por motivos de sua saúde. E vimos, tanto do mandato presidencial como da atuação do GSI sob sua titularidade, sucessivas e reiteradas ações distantes da liturgia do cargo. E, pior, cada dia que passa fica evidente a falta de inteligência (no sentido técnico) na proteção das instituições da República, o que permitiu que acontecessem as deploráveis cenas de barbárie e destruição.
Os ‘órfãos’ de Sylvio Frota e assemelhados mexeram com um ninho de vespas. Agora não terão como arcar com as consequências, eis que a impunidade que os protegia foi por água abaixo, com as suas perversidades fascistas. Patriotas, uma ova: terroristas de meia pataca, chegadinhos num leite condensado…
*Ahmad Schabib Hany