2014. O ano em que Gabriel Medina se tornou o primeiro brasileiro campeão mundial no surfe também foi um marco para ele tirar do papel uma ideia que amadureceu durante anos: ter uma instituição para ajudar as crianças da região de Maresias-SP e incentivar o crescimento da modalidade no litoral paulista. Após o planejamento, a preparação da equipe multidisciplinar e a construção da sede, o Instituto Gabriel Medina (IGM) surgiu oficialmente em fevereiro de 2017. Desde então, conta com recursos captados via Lei de Incentivo ao Esporte (LIE).
O instituto fica em frente ao local onde Charles Saldanha, o padrasto, ensinou Medina a surfar, e tem como foco a preparação de novos valores da modalidade. Atualmente, a instituição oferece gratuitamente a mesma estrutura que Medina conta na parte técnica, física e médica, além de garantir aos atletas aulas de idiomas e de informática.
Os integrantes são selecionados no Circuito Medina, competição que reúne jovens de todo o país. Campeões e vice-campeões das categorias em disputa são convidados a integrar a equipe de atletas do IGM. A prioridade é para surfistas de Maresias e região, uma vez que as ações são diárias, sempre no contraturno da escola, requisito obrigatório para ingressar no Instituto.
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“Eles treinam, se alimentam bem, aprendem outra língua e informática. Eles têm a vida que eu queria quando era criança”, disse Medina. “Tem sido bem legal, realizei um sonho que tinha com a minha família. É um orgulho ter esse espaço hoje e ajudar tantas crianças”.
A Lei de Incentivo ao Esporte, segundo Medina, é grande aliada para que os objetivos traçados pelo instituto sejam alcançados. “Hoje o instituto é mantido graças à Lei de Incentivo. Sem ela provavelmente não iríamos dar conta. Toda a estrutura que a gente oferece e tudo o que as crianças vivem hoje vem disso”, destacou.
Planos audaciosos – Além de proporcionar a consolidação de projetos esportivos, a Lei de Incentivo ajuda a realizar sonhos, seja por meio das próprias modalidades desenvolvidas nas atividades ou pelas oportunidades que os programas oferecem. “A Lei de Incentivo incentiva sonhos. É daí que a gente começa, com alguém te apoiando”, opinou Medina.
Morador de Maresias, o estudante Caio da Costa Santos, 14 anos, é um dos destaques entre os atletas. Ele já foi campeão do Rip Curl, campeão paulista, bicampeão do Circuito Medina e ganhou em 2018 a primeira etapa do brasileiro em sua categoria. “Eu venho de bicicleta, faço treino físico, musculação, natação, inglês, surfe. Temos essa estrutura de treino diários, que são poucos que têm no Brasil e no mundo”, comentou.
Santos conta que ficou motivado quando ficou sabendo que o Gabriel Medina iria abrir um local para treinamento. “Quando o Instituto foi criado, pensei: ‘Quero estar lá dentro’. E precisava treinar e dar meu sangue para isso”, lembrou. Depois que conseguiu a vaga, passou a ter planos mais audaciosos. “Eu quero ser atleta profissional de surfe, estar no WCT, tentar conquistar o título mundial. E se não der certo, vou seguir no caminho do surfe, sendo técnico ou professor”, afirmou.
Heitor Luis Duarte Cavalcante, 17 anos, também viu no IGM uma oportunidade para realizar alguns dos seus objetivos. “O instituto mudou totalmente a vida das pessoas. É importante não só na parte do surfe como para a vida. E ter o Gabriel como inspiração é sensacional”, declarou. Cavalcante percebeu que o surfe era “sua praia” quando começou a ter resultados em competições. “Antes só surfava por diversão. Meus amigos me incentivaram, pois na época eu era pequeno e ficava só na areia vendo. Hoje me vejo um atleta, pela estrutura que tenho aqui. Acho que no futuro posso ser um bom competidor. Trabalho para isso”, planejou.
O surfista destaca ainda o sentimento de poder estar em contato com a natureza diariamente. “Eu me sinto abençoado e especial porque tem muitas pessoas que nunca viram o mar, não tiveram a oportunidade de sentir o mar, pegar uma onda”.
De longa data – A presidente do Instituto Gabriel Medina, Simone Medina, mãe do campeão mundial, ressalta que a criação do Instituto foi um grande objetivo realizado. O assunto, no entanto, já era conversado dentro de casa bem antes disso. “Foi um sonho já galgado desde que o Gabriel tinha uns 16 anos. Ele falava: ‘Mãe, você vai me ajudar com isso?’ e eu respondia ‘resolve como vai ser aí vejo se vou te ajudar’. Por ele, Maresias inteira estaria no projeto”, descreveu.
Simone explica que com o tempo e o amadurecimento da ideia do projeto do IGM, a família definiu o número de beneficiados, a forma de atuação e que a adesão seria feita por critérios e meritocracia. “O pensamento inicial era meio assistencialista, mas à medida que as coisas foram acontecendo, ganhamos tanto conhecimento dentro do surfe que resolvemos fazer um instituto de alta performance”, afirmou.
De acordo com Simone, a Lei de Incentivo ao Esporte entrou na história do Instituto como um importante pilar para as ações com jovens surfistas. “Isso proporciona tudo o que eles usam hoje: pranchas, viagens, comida, uniforme. Com recursos próprios não teríamos condições de manter tudo isso. A Lei de Incentivo ao Esporte é vital para nosso projeto”, explicou. Mãezona e exigente, Simone já considera os meninos do projeto como parte da família. “Eles viraram filhos, né? Se vejo que uma criança está precisando de mim, é de pronto”.
Outro personagem fundamental para o projeto é Charles Saldanha, diretor técnico do IGM e padrasto de Medina. Um dos idealizadores do IGM, Saldanha acompanha de perto a carreira do atleta e as ações dentro do Instituto. “Foi através do surfe que o Gabriel tem tudo hoje e foi através da disciplina do surfe, do aprendizado, que ele conseguiu crescer na vida e ser o atleta e o ídolo que é hoje”, detalhou. “Então a gente quer devolver todo esse conhecimento que a gente teve nesses anos todos”.
Saldanha explica que o principal objetivo do IGM é dar essa oportunidade para a criança se preparar melhor para o futuro, seja como atleta profissional ou em outra atividade. “Não tem nada melhor do que você educar a criança através do esporte. Por isso que meus filhos estão no esporte. É o jeito mais fácil de educar, de tirar das drogas, das coisas erradas”, comentou.
Sobre as atividades do instituto, Saldanha explica que, primeiramente, as crianças encontram educação por meio do esporte, da disciplina, da preparação física e das aulas de inglês e tecnologia. Dessa forma, relata, o corpo e a mente vão melhorar. “Nós temos psicólogos, assistência odontológica, médica, fisioterapeuta. A criança vai ter tudo para ter um preparo melhor na vida”, aposta.
O instituto oferece turmas de manhã e de tarde. Em um dia normal de rotina, os atletas chegam, se alimentam e são divididos em dois grupos. Um vai para a água com a equipe técnica e profissionais de vídeo. “O instituto tem vídeo análises, por meio das quais os técnicos analisam a atuação nas ondas para corrigir movimentos e orientar manobras”, comentou Saldanha.
A outra turma fica no IGM para as aulas de inglês e tecnologia e, na preparação física, praticar natação e fazer o treinamento chamado Core360 (leia abaixo). Depois as turmas trocam de lugar para completarem o dia de treino. “Tem tudo que a criança precisa para ser atleta de ponta”.
Preparação física – A preparação física no Instituto Gabriel Medina segue um planejamento minucioso com objetivos definidos respeitando a características de cada um. Conta com natação, treinos em cama elástica e atividades em academia, onde é aplicado o treinamento funcional Core 360, baseado nas especificidades, necessidades e no potencial de movimento de cada indivíduo. Tantos os jovens quanto Medina recebem o mesmo tipo de treinamento, diferenciados pela intensidade e característica de cada um.
De acordo com Allan Menache, coordenador da preparação física no IGM, o objetivo é desenvolver um treinamento que vai ser bom para todos e melhor ainda individualmente. “Em alguns momentos vamos fazer a manipulação das variáveis: volume, intensidade, combinação dos exercícios, o que vai ser mais adequado para um ou para outro”, explicou. “Então, em determinados momentos do ano, devido ao calendário competitivo, em função de lesões ou de dificuldades que cada um apresenta, a gente consegue adaptar o treino para atender da melhor forma cada atleta nas suas particularidades”.
Mesmo a preferência dos atletas sendo a atividade dentro do mar, nas ondas, o trabalho físico em “terra” se mostra cada vez mais fundamental. “A parte da água é essencial, mas a preparação física está cada vez mais importante. A gente conhece o surfe, que é esporte que tem lesões agudas e crônicas. E se a gente não cuidar dessa parte de preparação física dentro da academia, a gente não consegue obter a melhor performance dos atletas dentro do mar”, disse Menache.
A presença de Medina no Instituto também é motivo de orgulho e motivação para as crianças e jovens. Para Menache, que treina tanto os meninos como o campeão do mundo em 2014, isso contribui para a formação dos jovens atletas. “A gente percebe como eles olham para o Gabriel e sentem o desejo de fazer igual e ter o mesmo sucesso, a mesma projeção ou fazer as coisas que ele faz dentro da água. É uma convivência muito sadia”, descreveu.
No instituto desde a inauguração, Menache tem presenciado a evolução e o amadurecimento dos alunos entre 9 e 16 anos. “A gente viu essas crianças e adolescentes mudarem o corpo, saírem de crianças para adolescentes e de adolescente para quase adultos”, afirmou. Além da mudança fisiológica, o professor destacou ainda a evolução como atletas e cidadãos. “Eles evoluíram e amadureceram. Viajam, competem, têm rotina semelhante à de um atleta de alto rendimento adulto. Isso faz com que entendam a importância do instituto como instituição, entendam a importância que têm para a instituição e o que a instituição proporciona para eles”.
Aumento da alíquota da LIE – A Lei de Incentivo ao Esporte está em vigor desde 2007. Desde então, captou R$ 2 bilhões para projetos esportivos. Só em 2017, 1,2 milhão de pessoas foram beneficiadas de forma direta pelos projetos aprovados. O mecanismo permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda (IR) em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. Empresas podem destinar até 1% desse valor e acumular com investimentos proporcionados por outras leis de incentivo. O teto para pessoas físicas é de 6% do IR.
Existe no Congresso Nacional um projeto para aumentar o teto da porcentagem dos investimentos de 1% para 3% do valor devido de impostos para pessoas jurídicas, e de 6% para 9% para pessoas físicas. “Se isso realmente acontecer vai ser ótimo. Vai atingir mais gente, mais crianças, mais formação, mais seres humanos bem resolvidos, um povo melhor, melhores profissionais”, disse Simone Medina.
TEXTO: Rafael Brais – rededoesporte.gov.br