“O cavalo assumiu toada viageira de tempo seco, calor bravo e pragas, sem tropicar nas passadas, mas preguiçoso de intentos e, por prosa com o além, Cadinho deu por cordato, desmediu. Por rotina, o sol castigava a cacunda derrubando para o oeste. Cavaleiro e a montaria foram atentando as vistas pelas beiradas das pastagens das cabeças poucas sobradas de gado não tendo mais onde emagrecer. As cacimbas prontas para sumirem de vez, desenfeitadas nos buracos quase vazios, tristes, enxugando. O caminhado emparelhava as mesmas das cataduras do Açu secando. Tanto era que a paisagem assemelhava propositada parelha de desgraça com cada vaca, bezerro ou novilho sendo acompanhado por um urubu sustentando do lado um mau-olhado de desgraça e praga. Igualados os carcarás se enfeitiçavam mais nos bezerros mamando ouriçados nos umbigos ainda sangrando. Era precedido e certo nos atendimentos, que cada ave marcara sua presa e cuidava com procedimento na espera de fartar assim que tropeçasse na morte. Cadinho aprumou montado até o Curral dos Pousos e se desfez das esperanças, pois dentro do cercado se alvoroçaram de todos os lados, uma fartura de desgraça revoando negra na intenção de assumir para sempre os tempos e as serras. […] O cavalo passarinhou medo de cruzar a desgraça, refugou mesmo alonjado da porteira, e Cadinho se persignou sem saber por quê, antes de vomitar de cima da sela instruído de nojo, ranço, catinga. Aquelas pontas do mundo de Oitão viraram uma carniça sem fim apodrecidas na imensidão do cerrado. As aves olharam os dois destinados acavalados e se animaram nos grasnados de mais fomento provido”.
O trecho acima foi extraído do livro Ensaios à Solidão, que conta a história de Arcádio Prouco, o “Cadinho”, desde sua infância em Oitão dos Brocados até sua sobrevivência na grande cidade. Trata-se do romance de estreia de Carlos Florence, autor que há vários anos publica semanalmente crônicas na imprensa. Nascido em São Paulo em 1938, Florence buscou em sua relação afetiva com Jacutinga (sul de Minas) a inspiração para este livro, aproveitando lembranças de costumes, linguajar e paisagens naturais. É evidente na prosa e estilo próprio do autor o uso de rico vocabulário, típico do sertão brasileiro, que emoldura o desenrolar dos fatos e oferece descrições poéticas de personagens e lugares, lembrando grandes nomes da literatura nacional, como Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa. Carlos Florence também atua como diretor executivo de uma importante entidade ligada ao setor do agronegócio e da agricultura.
Ficha técnica:
Ensaios à Solidão
Autor: Carlos Florence
Editora Labrador
352 páginas
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