A lei sancionada pelo Governo Jair Bolsonaro que permite internação compulsória de dependentes químicos sem autorização judicial é contestada por especialistas em Direito. Para eles, o texto sancionado fere garantias individuais previstas na Constituição Federal.
“O texto é muito aberto e confere indesejável espaço para arbítrio”, diz a advogada Stella Costa, especialista em Direito Público e Cível, sócia do escritório Canedo e Costa Advogados. “Qualquer lei restritiva de direitos – neste caso o direito à liberdade – deve ser taxativa nas hipóteses de sua aplicação e deve ser compatibilizada com outros direitos fundamentais que justifiquem uma medida tão drástica.”
A Lei Federal 13.840 foi sancionada na última quarta-feira (5 de junho) e prevê que a internação involuntária, sem o consentimento do dependente, possa ser realizada por um familiar ou responsável legal ou por servidores públicos da área de saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad). O texto proíbe que a recomendação para internações seja feita por servidores da área da segurança.
Para Stella Costa, as internações somente deveriam ser autorizadas se os pacientes corressem riscos ou oferecessem ameaças a terceiros. “O direito à segurança e incolumidade física e psíquica do próprio dependente e de terceiros seria motivo mais do que suficiente para aplicação da lei”, ela diz. “Isso significa que colocar a si e os outros em risco é um princípio jurídico que pode ser levado em consideração para a internação compulsória de dependentes químicos.”
A advogada levanta outra questão, que é a dificuldade de encontrar vagas públicas de internação. “A grande maioria das cidades não oferece todos os serviços necessários ao restabelecimento da saúde do paciente”, afirma Stella. “Depositar o dependente em lugares sem a mínima estrutura e corpo profissional qualificado não vai resolver o problema, mas talvez agravá-lo.”
*Paula Salgado Brasil, advogada constitucionalista e professora de pós-graduação da Escola de Direito do Brasil (EDB), faz alerta semelhante. “Quando a liberdade individual está em jogo, o Estado deve não apenas tomar conhecimento desta privação de liberdade como também ser parte integrante desta privação, que geralmente se dá por meio de decisão judicial com a participação do Ministério Público e, se necessário, da Defensoria Pública”, diz a especialista. “A nova lei contraria o espírito constitucional de somente restringir a liberdade de um indivíduo após uma análise reflexiva, uma vez que o MP ou Defensoria serão comunicados da internação compulsória 72h após sua efetivação”, sinaliza.