Neste funesto dia 10 de julho de 2019, a eternização súbita do incansável repórter Paulo Henrique Amorim nos levou — aliás, levou a cidadania — a um quase nocaute literal. Não bastasse o estupro parlamentar para acabar com a previdência social, a tragédia anunciada pelo (des)governo dos que tomaram de assalto os destinos da nação desde 2016. Afinal, o golpe se consolidara com a destituição da primeira mulher eleita e reeleita da história do Brasil, avançara com a prisão em segunda instância do primeiro presidente operário e se legitimara por meio de uma sucessão de ilegalidades com a vitória de Pirro do pai dos três parlamentares que, iguais ao progenitor, dizem não serem políticos. O que serão, então?
O impacto causado pela notícia da perda irreversível e definitiva de um dos dez maiores Jornalistas (com letra maiúscula) da história do Brasil quase nos fez perder o entusiasmo juvenil de vivermos a plenitude do Estado Democrático de Direito que nossas gerações conquistaram com muito empenho e renúncia. É que o conhecemos, não pessoalmente, mas por meio das saudosas revistas Realidade, sob a direção de Luis Carta, e Veja, de Mino Carta, na melhor fase da falecida Editora Abril, quando ainda éramos crianças e privilegiados por termos Pais e Irmãos conectados com o de melhor da produção editorial da América Latina, e acompanhamos num crescendo a trajetória exitosa desse talentoso profissional da imprensa brasileira que nunca se vendeu em troca de um efêmero sucesso.
São inesquecíveis seus ricos textos (e memórias) como correspondente em Nova York da Realidade e da Veja na cobertura da trágica (pelo assassinato de Robert Kennedy) e tumultuada campanha eleitoral na sucessão de Lyndon Johnson — vice guindado à presidência dos EUA com o assassinato nunca elucidado de John Kennedy, responsável pela dedada no Brasil em 1964, por meio de seu embaixador Lyndon Gordon, como provou dez anos depois o historiador estadunidense Thomas Skidmore em seu “Brasil: de Getúlio a Castello (1930-64)” –, ao lado do também jornalista Carlos Lacerda, o erudito e elegante ex-conspirador do golpe contra João Goulart, sobre o qual lhe confidenciara ter reatado relações pessoais durante a tentativa de construir a frustrada “Frente Ampla”, com Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, antes do endurecimento da ditadura militar, segundo narrou nas páginas introdutórias de seu “O quarto poder: uma outra história”.
Sua passagem pelo saudoso Jornal do Brasil (tempo de Alberto Dines), no jornalismo econômico (em que introduziu importantes inovações no “Informe econômico”, inclusive a irreverente criação de “raposa felpuda”) e mais tarde pela editoria de Economia da Rede Globo foi impecável, a despeito da censura rigorosa da família Marinho, em que o patriarca Roberto era o principal telespectador e avaliador de seu trabalho. Não tiro da memória a memorável aparição dele e de seu xará Paulo Francis durante a deflagração da “Tempestade no Deserto” (nome dado à invasão e destruição estadunidense do Iraque em 1990): apesar do passado trotskista de Francis (ex-membro d’ O Pasquim no tempo de Tarso de Castro, Millôr Fernandes e Jaguar, e da Folha de S.Paulo no tempo de Claudio Abramo e Nelson Merlin), era PHA (sigla com que foi também conhecido) quem fazia uma análise digna do velho Le Monde.
A bem da verdade, sua iniciação no jornalismo econômico se deu quando deixou a Veja e migrou para a (antiga) revistaExame, tendo sido seu primeiro diretor de redação, ainda dentro da extinta Editora Abril (tempo de Victor Civita, o fundador, ao lado de Luis Carta, Domingo Alzugaray e Odylo Costa, filho). Durante seu breve tempo de primeiro diretor de redação dessa revista é que ganhou autonomia e marcou seu estilo preciso, twitteriano e solto, beirando a irreverência. Esse estilo retorna quando de sua passagem pela extinta TV Manchete, TV Cultura e TV Bandeirantes, oportunidade em que se consolidou como um âncora de personalidade e muito talento. Mas é na então sem credibilidade TV Record que ele ganha independência, depois de ter saído dos portais jornalísticos IG e UOL por conta da perseguição promovida pelo banqueiro Daniel Dantas, do banco Pactual-Opportunity.
Sempre à frente de seu tempo, não se acovardou com a perseguição sorrateira e impiedosa de políticos, membros do Judiciário (hoje em acentuada decrepitude) e empresários corruptos travestidos de (sic) “liberais”. Ao contrário, primou pela excelência, pioneirismo e sobretudo inovação ao ousar investir em um blogue (“Conversa Afiada”, nome de um antigo programa seu na TV Cultura) e em seguida num canal no Youtube, o “TV Afiada”, com o qual chegou ao recorde de possuir um milhão de inscritos. Como bem disse o seu mais longevo colega e Amigo de 52 anos de convivência, o embate o instigava e fazia superar-se sempre, opinião endossada por outro velho companheiro de ofício na saudosa Veja dos tempos de Mino: “O Paulo Henrique é um Jornalista incansável, pois quanto mais é perseguido mais encontra forças e determinação para intensificar a luta.”
Jamais esqueceremos o “Olá! Tudo bem?” e o “Boa sorte!”, sempre recheados da análise mais inteligente e irreverente, de verdadeiro artista do Jornalismo investigativo, informativo e formativo. No momento mais necessário, o Destino nos tira subitamente esse guerreiro da luz e da informação cidadã, mas seu legado de coragem, leveza, sensatez e profundidade permanecerá como um relicário a forjar cidadãos pelos próximos séculos, enquanto seus medíocres e pusilânimes inimigo(a)s serão esquecido(a)s como a poeira no deserto destinada a cobrir o excremento e a insignificância de seres rastejantes. Obrigado por tudo, Paulo Henrique Amorim, e até sempre!
Também está disponível pelo link <https://schabibhany.blogspot.com/2019/07/obrigado-por-tudo-paulo-henrique-amorim.html>.