Quando conheci o hoje querido Amigo e Companheiro de incansáveis pugnas cidadãs Padre Pasquale Forin, ou Padre Pascoal, como é mais conhecido, tive a impressão — quase certeza — de que o conhecera em outros tempos, tal a Amizade que ele nos desperta. Ele fora convidado para participar de uma celebração ecumênica no antigo auditório do então Centro Universitário de Corumbá (CEUC, atual Campus do Pantanal, ou CPAN, da UFMS) que abria um evento promovido por alunos/as, professores/as e administrativos/as por meio das respectivas entidades representativas.
Estávamos em 1988, auge das mobilizações por avanços nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte e o então CEUC, sob a direção da querida e incansável Professora Doutora Gisela Levatti Alexandre, realizava uma mesa-redonda sobre a geopolítica de Ronald Reagan e os impactos no processo de democratização da América Latina (vivíamos o dramático momento das intervenções militares estadunidenses mediante mercenários na Nicarágua com financiamento do ágio nas vendas de peças de reposição de material bélico e mísseis para o Irã, em guerra contra o Iraque desde 1980, o famoso caso “Irã-Contras”).
Muito simpático, o Padre Pascoal chegara meia hora antes do acordado para conhecer as pessoas, inteirar-se das discussões que em Corumbá eram travadas no ambiente universitário, até porque fazia menos de um ano que havia chegado ao Coração do Pantanal e da América do Sul como titular da Paróquia de São João Bosco. O saudoso Amigo Pastor Antônio Ribeiro de Souza, da Igreja Batista Missionária, oriundo da Bahia e casado com uma missionária boliviana, era o seu colega de celebração. Lotado o auditório (onde hoje é a Biblioteca Manoel de Barros, do CPAN), aquela memorável celebração teve um efeito iluminador para um evento daquela complexidade.
A partir de então, nossos encontros passaram a ser frequentes, pois o Padre Pascoal está sempre voltado para atividades de pastoral, de protagonismo cidadão, na perspectiva de uma sociedade mais justa e solidária. Nesse mesmo ano tive a honra de conhecer dois de seus colaboradores na Pastoral Social, Geralda e Dionísio, grandes Amigo(a)s com quem convivi no tempo em que estiveram trabalhando em Corumbá. Depois chegaram Ivaneide Minozzo, Milton Zanotto e Amélia Pereira Zanella, mais tarde acompanhados pelo igualmente querido Amigo Luiz Carlos Vargas, período em que a Comissão Pastoral da Terra desenvolveu um trabalho hercúleo junto aos assentamentos e comunidades ribeirinhas.
Ouso afirmar que os projetos de assentamento nesta região do Pantanal (e, de resto, em todo o Mato Grosso do Sul) foram exitosos graças ao incansável e resolutivo trabalho pastoral, que não só desonerou os órgãos dito competentes como deu viabilidade econômica e social aos assentamentos. Com recursos obtidos em instituições católicas da Europa e dos Estados Unidos (como a Cáritas Internacional e a Misereor, da Alemanha), os recursos se multiplicavam em ações efetivas, desde resgate de técnicas tradicionais da região, desenvolvimento de técnicas inovadoras, dinâmicas sociais (construídas por meio de místicas), de fortalecimento de iniciativas solidárias e de compartilhamento de ferramentas e insumos, assistência social, saúde e educação, no período 2003-2016 transformadas em políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e de compras institucionais, além da formação profissional para os/as filhos/as e netos/as de famílias assentadas, na área de educação universitária, pelo Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA), instituído em 1998.
A Pastoral Social, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é protagonista, ao lado dos movimentos de trabalhadores rurais e urbanos e demais segmentos populares, pelas conquistas pós-1988 (ano em que a Constituição Federal vigente foi promulgada), em conjunto com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Movimento da Reforma Sanitária, Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta, Movimento do Serviço Social etc. Além da Pastoral da Criança e da Pastoral da Terra, há uma dezena de serviços pastorais que fortalecem o tecido social brasileiro, atacado pelo crime organizado e hoje, lamentavelmente, manipulado pelo fundamentalismo neopentecostal ligado aos grupelhos milicianos que infestam a política brasileira, verdadeiramente autoritária e obscurantista.
Mas foi graças a um querido Amigo comum, o grande e incansável Armando Carlos Arruda de Lacerda, na época assessor do saudoso Doutork Fadah Scaff Gattass em seu segundo mandato de prefeito de Corumbá, que pude conhecer melhor o Padre Pascoal, quando fui apresentado à Comissão Organizadora da Segunda Semana Social Brasileira (coordenada pela querida Amiga Irmã Antônia Brioschi, então diretora do Colégio Imaculada Conceição). Armando Lacerda havia participado, um ano antes, das atividades pioneiras de defesa do patrimônio histórico e cultural de Corumbá (denominadas de Primeira Semana da Cultura, sob coordenação da Sociedade dos Amigos da Cultura, dirigida pelo saudoso e querido Lincoln Gomes de Souza, com a participação dos Amigos Augusto César Proença e Mário Sérgio Abreu, além das queridas e imprescindíveis doutora Sidneia Catarina Tobias, Marlene Terezinha Mourão, Nicole Chahine Kubrusly e a saudosa Heloísa Helena da Costa Urt), e dessas atividades nasceu uma Amizade com letra maiúscula, pela retidão de seu caráter.
Nessa oportunidade, pude rever o querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá, com quem conversávamos muito na frente do Instituto Luiz de Albuquerque (ILA), sede das atividades da Semana da Cultura, em 1991, quando ele chegara para seu generoso e profícuo episcopado de quase oito anos. Como o Padre Pascoal era o Vigário-geral da Diocese, durante uns seis meses (enquanto duraram as atividades preparatórias da fase regional) tive o privilégio de constatar seu fôlego e capacidade de realização, pois estivemos nos reunindo uma ou mais vezes na semana. Na sequência, com o lançamento do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida (campanha do Betinho), sob a coordenação-geral de Dom José e tendo como adjunto o Padre Pascoal, já em 1993, pudemos testemunhar a inquietude e resistência de nosso Amigo que neste dia 27 de dezembro celebrou 60 anos de sacerdócio no Brasil, como bem relatou o Jornalista Thiago Godoy, no “Diário Online”.
Parece irreal, mas o Padre Pascoal consegue realizar uma dezena de atividades simultaneamente, com todo o afetuoso modo de ser de sempre. Não se desespera, não se irrita, não se estressa e, sobretudo, não atribui aos outros eventuais desacertos ou frustrações. Não foram dias, semanas ou meses. Tive a sorte de ver com os próprios olhos ao longo de décadas, afinal, o Pacto Pela Cidadania (um desdobramento do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida) e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (atual Observatório da Cidadania e dos Direitos Humanos Dom José Alves da Costa) existem desde 1993/1994, e periodicamente procuramos o Padre Pascoal para dirimir eventuais dissensos, inevitáveis ainda que esses espaços públicos sejam fruto de consensos. E a sabedoria inesgotável dele é o segredo da longevidade, tanto dele como das inúmeras iniciativas.
Como explicar o Projeto Criança/Adolescente Feliz, a FM Pantanal (87,9MHz), o CAIJ/CRIPAM e os projetos de protagonismo juvenil para as diferentes faixas etárias? Democrático por excelência, supera os conflitos mediante a razão. O papel de facilitador do Padre Pascoal no Pacto Pela Cidadania, proposto pelo saudoso e querido Dom José, permitiu que nada menos que treze segmentos sociais e econômicos de Corumbá e Ladário fossem articulados sem que houvesse choque de interesses, apesar da intrincada complexidade de nossa coletividade fronteiriça. É claro que a pressão sobre ele é diluída ao dar espaço para pessoas sábias como os/as queridos/as Amigos/as Senhor Jorge José Katurchi, Maçu Sabatel, Luz Marina Cavalcanti e a saudosa Doutora Angélica Anache (na questão da Área de Livre-Comércio de Corumbá e Ladário), Alexandre Gonçalves dos Santos e Francisco Ormond (na questão do Camelódromo e da Feira-Livre), Jocimar Campos, Ubirajara Júnior e Cássia Silva (na questão do Passe-Livre Estudantil), Senhor Antônio Corrêa e o saudoso Seu Japão (na questão do Livre-Trânsito Fronteiriço), os saudosos Seu Vicente Mosciaro, Seu Arthur Ferreira Moreira e Seu Matateu (na questão do Terminal Pesqueiro), Augusto César Proença, Marlene Terezinha Mourão e a saudosa Heloísa Urt (na questão da Revitalização do ILA e do Patrimônio Histórico e Cultural), e Manoel do Carmo Vitório, Anísio Guilherme da Fonseca e Vivaldo Salles (na questão da Reativação do Trem do Pantanal e Revitalização da Ferrovia Corumbá-Campo Grande), entre outras demandas não menos importantes. A secretaria-executiva foi exercida coletivamente por pessoas incansáveis, como a Professora Cristiane Sant’Anna de Oliveira, Edenir de Paulo, Arturo Castedo Ardaya, Delari Botega Ebelling e a saudosa e sempre presente Helô Urt.
Corumbá, aliás diferentemente da lenda ingrata contra a memória de Frei Mariano de Bagnaia, só tem a agradecer aos sacerdotes católicos que aportaram desde que o município existe. É inegável o legado do saudoso e querido Amigo Padre Ernesto Sassida, com sua obra imortal na Cidade Dom Bosco e adjacências; do igualmente saudoso e querido Amigo Dom José Alves da Costa, com sua dedicação à Pastoral da Criança, ao retorno dos/as remanescentes Guató à Ilha Ínsua, à revitalização do Instituto Luiz de Albuquerque (ILA) e à implantação do Programa Monumenta, uma de suas conquistas derradeiras antes de deixar a Diocese, em 1999; do igualmente querido Amigo Padre Antônio Müller, com seu Hospitalzinho, transformado pelo denodo de Dom José e do Padre Pascoal em CRIPAM; do igualmente querido Padre Emilio Zuza Mena e o apoio espontâneo, generoso e solidário na infraestrutura para o Pacto Pela Cidadania em seu Salão Paroquial, ao lado da Catedral.
Assim, ao ter tido a honra, o privilégio e a sorte de testemunhar durante longos anos a atuação do Padre Pasquale Forin, posso dizer que se trata de um Missionário (desses com letra maiúscula) de dois séculos (o século XX e o XXI), com toda a excelência e convicção. Mais que um simples sacerdote vocacionado, trata-se de um convicto Cidadão do Mundo e à frente de seu tempo que, com generosidade e abnegação, vem dando seus melhores dias, semanas, meses, anos e décadas ao serviço pastoral com muita sinceridade e devoção.
Obrigado, querido Amigo, por existir e nos inspirar atitudes dignas e solidárias!
*Ahmad Schabib Hany