Uma amiga japonesa certa vez me contava que logo após a explosão das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, não se comia nada na região em que ela morava além de abobrinhas: de dia, de tarde e de noite. Comparado com o país do Sol Nascente, o Brasil não passou por crises tão avassaladoras, embora não podemos fechar os olhos para a realidade dos 15,2 milhões brasileiros que sabem bem o que é viver e morrer lentamente abaixo da linha da extrema pobreza.
Talvez pela abundância de terras e alimentos, poucos brasileiros compreendam a necessidade de conter o desperdício em um país que detém metade de sua economia gerada diretamente de commodities como soja, café, cana-de-açúcar, petróleo e minérios, entre outras. Ou talvez porque boa parte não compreenda o valor de toda essa riqueza.
Seu Abed Al-Mahdi Salamin, de 76 anos, morador do Vale do Jordão, na Palestina, sabe bem o que significa ouvir a água fluindo pelo encanamento de uma companhia israelense bem debaixo das terras onde cresceu. “Os canos estão a 100 metros de mim, mas eu não posso beber”, lamenta. Enquanto isso, nós, brasileiros, passeamos despreocupados sobre um lençol freático de 45 mil quilômetros cúbicos de água doce que ocupa 65% de todo o território nacional: o Aquífero Guarani – a segunda maior fonte de água doce do planeta.
A floresta Kirindy, a oeste da ilha de Madagascar, perdeu em duas décadas quase metade (mil km²) do seu tamanho original para dar lugar ao plantio de milho. Os invasores pagam em torno de 10 dólares por hectare derrubado e queimado. Há bastante trabalho, porém, a mão de obra de baixo custo, não só na região como em todo o país, leva 90% da população a sobreviver com pouco mais de dois dólares por dia. Espécies raras, encontradas somente nessa ilha africana, já correm risco de extinção. A devastação trouxe à área períodos de longa estiagem e intensas tempestades.
Por aqui, até agosto deste ano, o número de focos de queimadas havia crescido mais de 80% em comparação com o mesmo período de 2018. Dos três trilhões de árvores no mundo, um terço se concentra na região amazônica. Cerca de 20% de toda a fauna do planeta se encontra nessa imensa floresta. A revista científica Nature Sustainability aponta que a parte amazônica brasileira perdeu 400 mil km² entre 2000 e 2017. Olhemos para Madagascar.
Somos um dos maiores produtores de minério de ferro do mundo, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, levou centenas de pessoas à morte e jogou a cidade à beira da depressão. Passados oito meses da tragédia, a lembrança dos moradores por suas vítimas parece manter uma nuvem cinza sobre cada ponto da cidade.
Compreender os erros do passado e a realidade presente pode impedir fatalidades. Nações como o Brasil não podem ignorar as mudanças climáticas e suas consequências: escassez de alimentos, desertificação, aumento de incêndios, enchentes e furacões.
O planeta está interligado por um único vetor: a consciência da função do homem como parte do processo de manutenção da vida ao longo de milhões de anos. Do ponto de vista espacial, a humanidade não passa de um grão de areia, porém, diante do tempo, ela é gigante, senhora do futuro em construção.
No Japão, quem comeu abobrinhas no passado aprendeu a valorizar as conquistas do dia a dia até se potencializar. No Brasil, o futuro depende do despertar da consciência de seu povo como agente de transformação tanto social quanto ambiental e de que abobrinhas fiquem só no prato, ausentes em discursos e ideologias.
*Pedro Teixeira é jornalista da TV Canção Nova e participou da reportagem especial do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG).