Foi no dia de aniversário de 14 anos do querido Amigo que tive a honra de ter como Companheiro de labuta Márcio Nunes Pereira em que o igualmente saudoso Jornalista Carlos Paulo Pereira reinaugurou o “Diário de Corumbá”, cuja histórica fundação se deu em 1915. Era Dia de Reis de 1969, fase mais obscurantista do regime de 1964, e o experiente redator de “O Momento”, ligado à União Democrática Nacional (UDN) local, decidira seguir seu próprio caminho, instalando a administração, redação, publicidade e oficina no prédio da rua Antônio João, ao lado da torrefação do “Café São Paulo”, onde funcionou por quase duas décadas.
Naquele emblemático dia de retorno às atividades do “Diário de Corumbá”, 6 de janeiro de 1969, eternizava-se um velho Amigo do Jornalista Carlos Paulo Pereira, o desembargador aposentado e ex-interventor de Mato Grosso Olegário Moreira de Barros, assíduo colaborador do jornal em sua fase pioneira e depois, acompanhando o refundador do combativo diário, em “O Momento”. O Doutor Olegário, além de brilhante articulista, foi colaborador de publicações de alto nível em Cuiabá e São Paulo, onde fez seu bacharelado em Direito na primeira década do século XX.
Além do(a)s veterano(a)s Jornalistas (com letra maiúscula) Adolfo Rondon Gamarra, Montezuma Cruz, Jorcene Martinez, Roberto Hernandes e Clarimér de Meira Navarro, a redação do “Diário de Corumbá” contou com o talento dos saudosos Ronei Nunes Pereira, Carlos Paulo Pereira Jr. e Márcio Nunes Pereira na direção, bem como o incansável Seu Waldir Nunes Pereira na revisão e a solidária dona Fátima Rosália Nunes Pereira na prestação de serviços e na administração do emblemático Jornal.
Por pura coincidência, meu saudoso Pai viajara a São Paulo no mesmo trem em que o Jornalista Carlos Paulo Pereira, em meados de 1968, se deslocara até a metrópole paulistana no intuito de comprar o maquinário e insumos gráficos para dar início ao seu novo empreendimento. Durante a longa viagem, entre um café e uma refeição (eram praticamente 30 horas de viagem até chegar à Estação da Luz, na capital paulista), foram se conhecendo e, a partir de então, se tornaram Amigos. Não por acaso, as primeiras colaborações de meu Pai (em espanhol) foram publicadas no “Diário de Corumbá”, do qual era dos primeiros assinantes.
Como a Companheira do refundador do “Diário de Corumbá”, a saudosa Dona Raquel Nunes Pereira, era de ascendência boliviana, o jornal, desde 1969, dedicara duas edições bilingues (português – espanhol) por ano, a do dia 27 de maio (Dia das Mães da Bolívia, quando centenas de mulheres foram imoladas por lutarem pela emancipação política nacional contra o jugo espanhol) e a do dia 6 de agosto (Dia da Independência da Bolívia, ocorrida em 1825, ainda com o nome de Alto Peru, só mais tarde ganharia a denominação Bolívia, em homenagem ao Libertador Simón Bolívar). Sem dúvida, é o primeiro jornal corumbaense que fez edições bilingues planejadas, com o intuito de integrar os dois povos.
Colaboraram com o “Diário de Corumbá”, em sua segunda fase, estudiosos/as, pesquisadores/as, professores/as, poetas, escritores/as, cronistas e jornalistas célebres, como o Procurador Zenno Sim (da Justiça do Trabalho que serviu em Corumbá na década de 1970, e que, além de escrever sobre os direitos trabalhistas, tinha coluna semanal sobre livros e temas de cidadania), a Doutora Edy Assis de Barros, que na época assinava Amaral (historiadora e professora do então Centro Pedagógico de Corumbá, da UEMT, mais tarde, Centro Universitário de Corumbá, da UFMS, da qual foi pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação, na gestão do saudoso Professor Jair Madureira, e que em 1975 publicou uma coluna diária alusiva ao bicentenário do Forte Coimbra), o saudoso Amigo e Professor Dilermando Luís Ferra (ex-diretor da Escola Técnica de Comércio, fundador da Loteria do Estado de Mato Grosso, LEMAT, contador e funcionário do Banco do Brasil), o Amigo e Professor Valmir Batista Corrêa (historiador, pesquisador da História Regional, ex-vereador e ex-secretário de Educação e Cultura na gestão do Prefeito Armando Anache), o Jornalista Edson Moraes (fundador do inesquecível diário “O Tempo”, em sociedade com o gráfico Manoel de Oliveira, redator de emblemáticos semanários campo-grandenses como o “Jornal da Cidade”, “Jornal do Povo”, “A Tribuna” e “O Repórter”) o saudoso Advogado Lício Benzi Paiva Garcia (diversas vezes presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB e também presidente por várias gestões da seccional local da OAB), o querido e saudoso Padre Ernesto Sassida (fundador da Legião dos Amigos da Criança, LEMAC, e mais tarde da Cidade Dom Bosco, além de uma dezena de entidades coirmãs), o Amigo Gláucio Ganne (poeta, cronista e escritor alado), o querido e saudoso Amigo João Gonçalves Miguéis (empresário do ramo de alimentação, escritor, pensador espírita kardecista e incansável lutador pela inclusão social, tanto que aconselhou o Padre Ernesto Sassida a fundar a LEMAC com ele), o saudoso Amigo Márcio Toufic Baruki (ex-presidente da seccional local da OAB e então representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS), o Amigo Celso Cordeiro (professor universitário, discípulo de Paulo Freire e músico), o Amigo Luciano Gibaile Arévalo (professor, músico e contista precoce), Ângela Maria Pérez, Ângela Bulhões e Benedito C.G. Lima (poetas, cronistas e escritores, dirigentes da fase áurea do Grupo ALEC, detentor de uma coluna de meia página diária no jornal), o Amigo Balbino G. de Oliveira (poeta e escritor, fundador da APEC, Associação de Poetas e Escritores de Corumbá), o Amigo Augusto César Proença (escritor, cronista, contista e roteirista, autor, entre outras obras, de “Snack Bar”, “Pantanal, gente, tradição e história”, “Atrás daquela poeira não vem mais seu pai” e “Corumbá de todas as graças”), o Amigo Sílvio Martins (poeta, cronista e escritor de longa trajetória), a saudosa Amiga Lilian Roa (poeta, escritora, tradutora, professora e radialista paraguaia que fez de Corumbá a sua terra), o saudoso J.L. de Macedo (importante poeta, escritor e historiador oficial de Ladário, responsável pelo achado de que o município vizinho é 19 dias mais velho que Corumbá), o saudoso Amigo Lécio Gomes de Souza (historiador, médico e general de brigada, autor de importantes obras historiográficas sobre Corumbá e região, primeiro professor do Curso de História, ainda no tempo o Instituto Superior de Pedagogia, antes da criação da UEMT), o saudoso Clio Proença (professor, radialista, poeta, cronista e jornalista que marcou época), o saudoso médico Moysés dos Reis Amaral (estudioso, pesquisador e lutador que escolheu Corumbá como sua cidade-natal, aluno mais velho e digno de distinção no Mestrado de Estudos Fronteiriços), entre outros/as não menos importantes.
Quando, em 1973, para contrapor as denúncias do então deputado oposicionista Cecílio de Jesus Gaeta, campeão de votos entre 1970 e 1986, os dirigentes políticos que integravam as alas mais conservadoras do partido de sustentação do regime de 1964, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) — em confronto com a Ala Independente, do ex-governador Pedro Pedrossian (ex-PSD), a quem Armando Anache, da família da Sociedade Rádio Clube de Corumbá, estava ligado –, decidiram contratar um renomado jornalista, Daniel de Almeida Lopes (que assinava Daniel Lopes), para dirigir os três jornais do CCC (Consórcio Corumbaense de Comunicação) — “Folha da Tarde”, “O Momento” e “Correio de Corumbá” (e mais tarde “SóSports” e “Folha da Noite”) — e a Rádio Difusora Mato-grossense S/A, instalados no imponente prédio histórico da rua Treze de Junho, em frente ao prédio em que a agência local do Banco do Brasil viria a se instalar, o qual foi derrubado no mesmo período em que a sede da antiga intendência e o Cine Teatro Santa Cruz foram derrubados. Além de contratar repórteres memoráveis como o insuperável Jornalista Edson Moraes e o saudoso e inesquecível Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, o jornalista Daniel Lopes, em sua efêmera estada em Corumbá (não mais que quatro anos, quando alardeava fixar residência e implantar um império editorial ao estilo das “Folhas”, de São Paulo, como escrevera em editorial), publicava uma crônica política diferente em cada um dos três diários de circulação local (no “Diário de Corumbá”, a coluna de primeira página era “Reflexões sobre a moral”, tendo como mira o então candidato à reeleição para deputado estadual Cecílio Gaeta).
Por outro lado, Márcio Nunes Pereira, antes de assumir a direção do “Diário de Corumbá”, em 1984, foi responsável pela gráfica do jornal e mais tarde repórter, ao lado do então cunhado Roberto Hernandes. Foi, aliás, com Roberto Hernandes, dono de uma voz privilegiada e de uma generosidade ímpar, que o saudoso diretor da fase mais combativa do “DC” (como era carinhosamente chamado pelos membros da Família Nunes Pereira) fundou “A Gazeta”, cujo prédio era em frente do escritório de advocacia do Doutor Joilce Viegas de Araújo, ex-presidente da Companhia de Navegação da Bacia do Prata S/A (SNBP). “A Gazeta” circulou aproximadamente por dois anos, até que a Família Nunes Pereira chamou de volta os então jovens repórteres rebeldes, oportunidade que Márcio teve para fazer um diagnóstico do Decano da Imprensa e definir novas perspectivas para o jornal cuja história se confunde com o período em que foi protagonista das maiores façanhas jornalísticas.
Só o saudoso e querido Jornalista Márcio Nunes Pereira para estampar uma página em branco com manchete em letras garrafais “Obras do governo Pedro Pedrossian em Corumbá”, edição histórica que os/as leitores/as cativos/as guardam em seus arquivos. Outra pérola digna do grande Barão de Itararé (Aparício Torelli, fundador e eterno diretor de “A Manha”, em oposição ao chapa-branca “A Manhã”, do Rio de Janeiro) protagonizada por Márcio foi a contagem regressiva, ao longo de um mês, para o final do mandato de um ex-prefeito jovem que ele e o igualmente querido e saudoso artista gráfico Augusto Alexandrino dos Santos, “Malah”, haviam apoiado mas que no decorrer do mandato entraram em rota de colisão: “Faltam (tantos) dias para (fulano de tal) deixar a vida pública e ir para a privada”…
Generoso e corajoso, Márcio fez do “Diário de Corumbá” uma escola de Jornalismo. Muitos/as profissionais que hoje atuam pelo Brasil afora foram forjados/as na têmpera da combatividade (com uma dose de irreverência cidadã) daquele diário que ajudou a mudar a história de Corumbá. Posso testemunhar, sem risco de cometer qualquer exagero, que Márcio, com seu estoicismo e sua abnegação, foi um franciscano na condução de um jornal que, a despeito da precariedade tecnológica e (inclusive) gráfica, se tornou um farol a iluminar as mentes de gerações irrequietas que, durante pelo menos uma década e meia, fizeram de Corumbá e de Ladário usina de transformações, ainda que milimétricas, em favor da cidadania e do bem-comum.
Márcio Nunes Pereira, a bem da verdade, não foi um patrão, mas um Companheiro de labuta que, se preciso, ia para a gráfica, com a maior dignidade e desenvoltura, ajudar a fechar a edição, geralmente modificada na última hora, por causa de algum furo jornalístico digno de registro em primeira mão. Além de ter sido um generoso Companheiro de seus leais gráficos e auxiliares, como os saudosos Luiz Máximo (Lulu), Antônio Carlos (Totó) e Issam Said. O querido Pedrinho de todas as horas está aí para confirmar essa epopeia…
Como de hábito, deixo o link para eventual consulta no arremedo de blogue “O caminho se faz ao caminhar”: https://schabibhany.blogspot.com/2020/01/marcio-nunes-pereira-e-diario-de.html.
*Ahmad Schabib Hany