Jair Bolsonaro e a Sombra de Saturno

Jorge Miklos – Foto: Arquivo Pessoal

A recomendação das autoridades científicas de saúde para que a população brasileira evite sair de casa tem sido amplamente propagada pelos canais de imprensa. Trata-se de um protocolo para diminuir o alastramento do COVID-19, evitar o colapso do frágil sistema de saúde e salvar vidas. Muitos países têm adotado a orientação do isolamento social e, mesmo assim, a pandemia tem ocasionado muitos óbitos.

No domingo, 29 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro, contrariando todas as diretrizes e recomendações das autoridades de vigilância sanitária, realizou um passeio nos arredores de Brasília, atraindo aglomerações e a atenção de muitos, que estavam nos arredores, que se aproximavam do presidente. Valendo-se de sua linguagem habitual, disse a respeito da pandemia: “vamos ter que enfrentar como homem, porra (grifo nosso). Não como um moleque”. Na fala do presidente está explícito o sentido de que ele se considera “macho” o suficiente para tornar-se imune à doença e que somente os fracos ou os que não são homens o bastante é que estão com medo da grave pandemia.

No seu discurso, Jair explicita os valores do que se entende por masculinidade tóxica, que postula que a virilidade de um homem se vincula à sua força ilimitada. E por que isso é tóxico? Uma pesquisa da Organização Pan-Americana de Saúde atestou que 57% dos homens afirmaram ter sido ensinados, durante a infância e adolescência, a não se preocupar com a saúde, pois isso indicaria fraqueza. A pesquisa também indicou que os homens têm a expectativa de vida 5,8 anos menor que a das mulheres. Uma das razões é o fato de os homens demorarem para procurar serviço médico. A imprudência com a saúde pode ser letal.

Com esse discurso (e discurso é ato), Jair Bolsonaro literaliza a imagem mítica patriarcal do deus Cronos (Saturno para os romanos), que devorava os seus próprios filhos. Usar a pretensa virilidade para desrespeitar os protocolosda OMS é colocar-se ao lado de outra entidade mítica, Hades, o deus da morte.

*Jorge Miklos é sociólogo, analista junguiano e pesquisador sobre masculinidades contemporâneas.

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