A pequena cidade de Mâncio Lima, no Acre, já está acostumada com as visitas semestrais do professor Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e sua equipe. Há mais de dez anos, o pesquisador conduz estudos de campo na região para combater a malária, doença que afeta gravemente o município. Agora, a previsão é que a próxima visita aconteça por outro motivo: estudar o novo coronavírus. O projeto “Mapeando a disseminação de SARS-CoV-2: dimensão do surto, dinâmica de transmissão, desfechos clínicos da infecção e duração da resposta de anticorpos em uma pequena cidade amazônica” foi um dos primeiros selecionados para a chamada FAPESP de combate à doença e deve ter início em junho.
Segundo Ferreira, a equipe realizará um estudo de soroconversão, algo que ainda não foi feito para a COVID-19. Os pesquisadores irão coletar e analisar amostras de sangue de cerca de 2.000 pessoas entre setembro e outubro, para verificar quantos desenvolveram anticorpos desde a última vez em que elas foram visitadas, no final do ano passado. “Pessoas que tiveram a infecção desenvolvem anticorpos mesmo sem terem apresentado sintomas. Será possível calcular a proporção exata de casos assintomáticos, sintomáticos e graves do coronavírus na região“, explica. A análise permite estimar quantas pessoas não se infectaram e estariam suscetíveis a um segundo surto.
Outra pergunta a ser respondida é por quanto tempo os anticorpos permanecem no organismo das pessoas infectadas, ou seja, durante quanto tempo a população infectada tem imunidade contra o SARS-CoV-2. Os pesquisadores ainda procuram saber se há diferenças no risco de infecção entre pessoas de diferentes idades, sexos e redes de interação social. Com questionários aplicados em pesquisas anteriores, o grupo já mapeou as redes de interação social entre os moradores do município, podendo avaliar a dinâmica de transmissão do vírus.
Até o momento, não foi notificado nenhum caso de COVID-19 em Mâncio Lima, mas a doença já atingiu outros municípios do estado – que contabiliza 45 casos – e a cidade está se preparando, na medida do possível, para a entrada do vírus. O Vale do Alto Juruá, região onde fica localizada a cidade, possui 120 mil habitantes. “O hospital da região tem apenas 10 leitos de UTI, e a capital, Rio Branco, fica a 700 km. Se o vírus chegar lá com a mesma força que tem chegado em outros lugares do Brasil, será muito preocupante“, diz Ferreira.
O grupo pretende incluir no projeto a cidade de Acrelândia, que já apresenta oito casos e é considerada uma “porta de entrada” para doenças no Acre, uma vez que fica localizada perto da estrada e é o primeiro município para quem vem de Rondônia para o estado. Os casos graves de Acrelândia também precisam ser encaminhados para Rio Branco, pois não há leitos na cidade.