São Paulo (SP) – A cirurgia metabólica é o tratamento mais eficaz para pausar a progressão da doença renal crônica precoce em pacientes com diabetes tipo 2, é o que aponta pesquisa inédita do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, publicado na Jama Surgery, uma das principais revistas científicas do mundo. O estudo randomizado é o primeiro que tem como objetivo comparar a cirurgia metabólica e o melhor tratamento clínico para pacientes com Diabetes Mellitus tipo 2 que tenham IMC (Índice de Massa Corporal) entre 30 e 35 (obesidade grau 1), com alterações microvasculares, como as doenças renais.
As doenças microvasculares são aquelas que danificam os pequenos vasos dos olhos (retinopatia), rins e nervos (neuropatia). Já os danos renais causados pelo diabetes demoram mais tempo a serem percebidas pelos pacientes. O monitoramento regular dos níveis de proteína presentes na urina é fundamental para evitar a evolução destas complicações que podem levar ao comprometimento total dos rins. A primeira avaliação feita em dois anos, de um estudo com cinco anos de acompanhamento, detectou a remissão da albuminúria (perda da proteína albumina na urina e importante indicador de insuficiência renal), em 54,6% dos pacientes após tratamento médico e 82% após a cirurgia metabólica por bypass gástrico em Y de Roux.
Segundo o Dr. Ricardo Cohen, autor principal do estudo e coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o diabetes é uma doença crônica e progressiva, e o paciente com lesão renal inicial geralmente evolui para diálise, transplante renal e tem risco de complicações cardiovasculares, como infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC). “A remissão de mais de 80% da albuminúria e das lesões renais, com o tratamento cirúrgico significa evitar a progressão da doença e consequentemente diálise e transplante de rins. O estudo comprova que em dois anos, os pacientes operados têm muito menos chance de apresentarem essas complicações, enquanto os pacientes com os melhores medicamentos apresentam uma melhora, mas não estancam o avanço de possíveis danos renais irreversíveis e seus riscos associados”, avalia o cirurgião.
A pesquisa contou com a participação de 100 pacientes, acompanhados por cinco anos, sendo que 50% foi submetido à cirurgia metabólica e a outra metade teve acesso aos medicamentos mais modernos e eficazes disponíveis para o tratamento clínico do diabetes.
“Este é o primeiro estudo que utiliza a melhor medicação disponível e tem como foco analisar os desfechos renais. Atualmente há 12 estudos mundiais que comparam tratamento cirúrgico e clínico, mas o foco deles é o controle glicêmico, em pacientes com IMC superior à 35”, explica Dr. Ricardo Cohen. A triagem para o estudo de pessoas com IMC entre 30 e 35, foi um fator fundamental, já que a maioria da população com diabetes no mundo sofre de obesidade grau I ou sobrepeso.
A análise feita pelo Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz ainda mostra que em ambos grupos o índice glicêmico foi controlado, mas isso não interfere no dano renal, o mais grave das comorbidades provocadas pelo diabetes. Outros resultados do estudo também apontaram que a cirurgia metabólica ainda traz mais benefícios em relação ao controle e normalização da hemoglobina glicada, colesterol, triglicérides, pressão arterial e alteração de qualidade de vida. A cirurgia também teve o desfecho mais indicado em relação a descontinuação de medicamentos para pacientes com diabetes tipo 2, já que os doentes operados diminuíram em cinco vezes suas medicações. O número médio de agentes farmacológicos para controle metabólico foram seis no melhor tratamento médico e um após a cirurgia metabólica.
“Em dois anos, a hemoglobina glicada foi reduzida em 2,2% em pacientes com tratamento clínico e 2.6% nos cirúrgicos. O resultado é surpreendentemente bom e mostra a importância dessas novas medicações. Porém, o diabetes é uma doença progressiva e também de difícil adesão ao tratamento, por isso, nota-se uma piora depois de um tempo de acompanhamento nos índices metabólicos, enquanto a cirurgia amputa a evolução das complicações, alcançando 44,5% de pacientes com remissão da doença”, analisa o coordenador do estudo.
Os pacientes cirúrgicos alcançaram as metas da American Diabetes Association de colesterol LDL em comparação com o melhor grupo de tratamento médico, 72% vs 52%. A meta de triglicerídeos de 150 mg/dL foi alcançada por 41% dos pacientes do grupo clínico e por 81% dos pacientes operados. A variação do peso também foi outro achado importante, menos de 5% dos pacientes que usou os medicamentos alcançaram 15% de perda de peso corporal, enquanto no grupo de pacientes operados o percentual foi de 95%.
Impactos econômicos
Atualmente, no Brasil, mais de 80.000 pacientes precisam de diálise decorrente do diabetes, custando US﹩ 350 milhões por ano. Para que os brasileiros com diabetes e doença renal crônica precoce se beneficiassem do tratamento, seria preciso oferecer apenas 100 cirurgias metabólicas extras por ano, com custo de U﹩3.000,00 por paciente, gerando uma economia de US﹩ 150.000,00 para o sistema de saúde, para cada pessoa que possivelmente poderia desenvolver complicações renais e precisar de diálise. Enquanto, a cirurgia seria paga em menos de 2 anos.
“Espera-se que, à medida que saímos da epidemia do COVID-19, o sistema de saúde seja reorganizado para trazer o máximo de benefício aos pacientes, usando estratégias clinicamente comprovadas e econômicas, e que futuramente, em outras pandemias, desafoguem UTIs e leitos de internação, já que trata-se de um grupo de risco”, esclarece Dr. Ricardo Cohen.
O que é cirurgia metabólica
Cirurgia metabólica é definida como qualquer intervenção do tubo digestivo, que tem como finalidade o controle do diabetes do tipo 2, com ou sem medicação por meio de mecanismos independentes da perda de peso, e também secundariamente por perda de peso. No caso do estudo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a técnica utilizada é a do o bypass gástrico (ou Y de Roux), que consiste em fazer o grampeamento do estômago e o desvio do intestino inicial para alterar o trânsito de alimentos. Com o procedimento, a perspectiva é que os sintomas nos pacientes regridam parcialmente ou totalmente.
Link estudo: http://jamanetwork.com/journals/jamasurgery/article-abstract/2766660