A emergência relativa à Covid-19 reforça a importância da pesquisa científica, uma das mais poderosas formas de gerar conhecimento, cada vez mais essencial para entendermos o mundo e vivermos melhor. Exemplos disso são as vacinas, as respostas à necessidade de produzir alimentos para os mais de sete bilhões de habitantes da Terra, a redução das doenças e o bem-vindo aumento da longevidade. É importante que a sociedade esteja consciente desse papel, o que requer, dos cientistas, esforço grande de comunicação, visando elaborar informação séria e compreensível para além do restrito círculo dos seus pares.
A construção de um sistema de ciência e de tecnologia leva tempo e requer recursos de maneira sustentável, o que – infelizmente – não tem sido uma constante no Brasil. Em épocas de crise, como agora, fica cada vez mais visível a importância da pesquisa e do conhecimento. Cientistas estão se mobilizando como nunca. Instituições trabalham colaborativamente, procurando entender como a Covid-19 atua na célula, ensaiando e produzindo fármacos para combatê-la. Editoras científicas disponibilizam seus acervos e agilizam a publicação de estudos. Ou seja, a ciência nunca se moveu tão rapidamente.
Em termos globais, há 136 distintas vacinas contra o novo coronavírus em desenvolvimento. O Instituto Butantan e a Unifesp, em parceria com laboratórios internacionais, iniciam, em breve, ensaios clínicos de duas delas. Dentre os medicamentos, há mais de 1.500 em andamento no mundo. Desde o início da pandemia, os institutos, universidades, empresas, mídia e grupos de pesquisa brasileiros mobilizaram-se num esforço de integração transdisciplinar e interinstitucional, dentro e fora do País. Redefiniram-se planos de estudos e agências como a Fapesp destinaram fundos para projetos emergenciais. Isso permitiu diálogo científico de alto nível e participação do País em esforços internacionais.
Simultaneamente, porém, revelaram-se nossas deficiências na estrutura hospitalar, na notificação epidemiológica e nos recursos disponíveis. Isso deixou ainda mais claro o importantíssimo papel da ciência e de nossas instituições de pesquisa, que reagiram com agilidade ao desafio, mostrando por que é essencial manter um sistema sólido e internacionalizado na área, o que exige políticas de longo prazo e continuidade de financiamento público.
A ciência é hoje grande protagonista: pauta o debate, propõe formatos para fomento de P&D e deve balizar políticas públicas. É essencial compartilhar o conhecimento que gera com a sociedade para que, informada, ela não fique refém de afirmações distorcidas e fake news e não permita a politização da saúde e do medicamento, como demonstra o seguinte exemplo: a ausência de pesquisas que evidenciem efeitos preventivos da cloroquina e a desinformada solicitação dela lembram a situação de quando a USP foi obrigada, por decisão judicial, a produzir e distribuir fosfoetanolamina para tratamento do câncer, o que – já se sabia – era ineficaz. A decisão foi revogada, mas custou caro.
A Covid-19 deixará marcas e impactará o futuro. Ainda não sabemos como. Porém, temos consciência de que, diante de problemas cada vez mais globais, como pandemias, questões ambientais e de segurança, será crescente a importância da interdisciplinaridade, da internacionalização e da colaboração mundial. Ao lado disso, o diálogo com a sociedade será a contraparte de políticas públicas solidamente apoiadas na melhor ciência.
Talvez, então, se possa acreditar que as transformações que o novo coronavírus está exigindo quanto ao modo de fazer ciência e de divulgá-la representem um bem-vindo anúncio do futuro que veio para ficar.
*Franco M. Lajolo é graduado em Farmácia Bioquímica, doutor em Ciência dos Alimentos e pós-doutor pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Cambridge/EUA). É Professor Emérito da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), da qual foi Vice-Reitor.