Na luta por sustentabilidade, avicultores buscam negociação com indústria

Ainda não existe metodologia oficial para remuneração dos avicultores no Brasil

Avicultores de diversas regiões brasileiras estão insatisfeitos com a atividade, que atualmente não gera rentabilidade. Entidades representativas em todo Brasil buscam diálogo com a indústria para viabilizar a cultura e evitar o risco de saídas da atividade, além de maiores prejuízos sociais e econômicos.

No país, a grande maioria das granjas brasileiras funcionam em sistema de integração, em que os frigoríficos garantem mercado para a produção e se responsabilizam por parte dos custos, bem como medicação, assistência técnica, fornecimento de aves, ração, entre outros. Nesse sistema, o avicultor, além de gerir a granja, responde pelo investimento, manutenção, melhorias, reformas, energia elétrica, mão de obra para manejo e são responsáveis pela parte sanitária e ambiental, devendo garantir o respeito ao meio ambiente, bem como a sanidade animal.

Foto: Avimasul/Divulgação

Aparentemente vantajoso, o sistema de integração tem apresentado insatisfação por parte dos produtores rurais, principalmente os que já estão na atividade há vários anos, e que buscam diálogo a fim de viabilizar a atividade. “Temos sempre detalhes para ajustar e são justamente os detalhes que interferem na rentabilidade dos produtores e na sustentabilidade da atividade. Entre as situações que impreterivelmente precisam ser ajustadas podemos citar o reconhecimento do investimento total necessário para operar na atividade e, consecutivamente, a depreciação, taxas de manutenção, taxas de atratividade, taxas de seguro, quantidade de mão de obra que deve ser empregada na granja, isonomia no tratamento com o produtor, entre outros. São situações que a longo prazo podem inviabilizar a gestão do negócio”, afirma Allan Parpineli, coordenador das CADECs (Comissão para o Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração) de Frango de Corte, Matrizes e Recria de Nuporanga, Itapetininga e Boituva/SP.

Diferentemente do que é amplamente divulgado pela mídia, o sucesso e felicidade da avicultura integrada não está acontecendo da porteira para dentro. Segundo Adriana Mascarenhas, diretora técnica das CADECs de Mato Grosso do Sul, a avicultura está em uma situação financeira muito difícil, tendo inclusive que escolher entre fazer manutenção nas granjas, pagar energia e funcionário ou sustentar sua família. “Por falta de rentabilidade, tem produtores deixando as granjas. Não existe um consenso com as integradoras e nossa maior divergência é na mão de obra. Chegam a afirmar que dois colaboradores dão conta de tocar uma granja, independentemente do tamanho, mas não é bem assim que funciona. E quando tentamos negociar, incluindo diárias de outros profissionais, a resposta é negativa”.

A lei da integração nº 13.288, de maio de 2016, prega que o Fórum Nacional de Integração (Foniagro) deveria apresentar uma metodologia de cálculo sobre o valor de referência da remuneração dos produtores integrados. Quatro anos depois da criação da lei, a metodologia ainda não existe, deixando os produtores completamente vulneráveis, sujeitos às imposições unilaterais da indústria.

“Se não há diálogo na CADEC e as questões são resolvidas unilateralmente pela indústria, a relação não é de integração. Não se enquadra na lei. Se não se enquadra na lei, pode configurar vínculo trabalhista ou prestação de serviço. Cabe este tipo de questionamento. Não estão cumprindo o básico”, sinaliza Iuri Pinheiro Machado, presidente da Comissão Nacional de Aves e Suínos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

“As grandes agroindústrias cresceram exponencialmente e conquistaram mercados mundo afora, baseadas na garantia do fornecimento de matéria-prima de qualidade proveniente do sistema de integração. Porém, os milhares de produtores integrados, que são a base destas indústrias, têm percebido uma corrosão da renda ao longo dos últimos anos. Se a lei da integração for de fato respeitada, com a participação efetiva dos produtores nas decisões do sistema de integração, teremos a sustentabilidade destas cadeias tão importantes para o nosso país. Caso contrário, sem a base de tudo, que é a integração forte, perderemos competitividade e eficiência”, completa Machado.

Avicultores chegam a apresentar às integradoras planilhas de custos baseadas em metodologia desenvolvida pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), mas estas não são aceitas. Outra entidade que se debruçou nessa questão foi a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Suínos e Aves) mas, segundo as integradoras, os dados são adversos.

Outro questionamento da categoria é o uso da cama de frango (dejetos) como renda. “Discordamos quando consideram dejetos como receita. Nós negociamos proteína e acreditamos que as negociações devem se ancorar nisso. Além da desvalorização desses dejetos, não se tem compradores fixos para isso. Ficamos no prejuízo”, esclarece Adroaldo Hoffmann, avicultor e vice-presidente da Comissão Nacional de Aves e Suínos da CNA.

Ainda há a insatisfação quanto ao cumprimento do que determina o 9º artigo da lei da integração, que determina os parâmetros técnico-financeiros, que devem ser validados pelos produtores no âmbito das CADECs. E somente após ser aprovada na CADEC poderá ser apresentada aos produtores que pretendem ampliar suas granjas, e aos agentes financiadores.

“Os produtores precisam estar cientes quanto aos detalhes do Documento de Informação Pré-Contratual (DIPC), pois existe integradora aprovando junto ao banco sem aprovação da CADEC. Inclusive, existem projetos de integradoras enviados aos agentes financiadores que contemplam 6,36 lotes por ano, e densidade de 14 aves por metro quadrado, enquanto que o produtor consegue, no máximo, 6 lotes por ano e densidade de 13 aves por metro quadrado. Tais divergências entre o projeto e o realizado trazem instabilidade financeira aos produtores, impossibilitando que façam os investimentos necessários para se manterem na atividade. Precisamos lembrar que estamos tratando de recursos públicos, podem estar financiando uma atividade sem sustentabilidade econômica”, pontua Adriana Mascarenhas, diretora técnica das CADECs de MS.

Os avicultores ainda se queixam de que, ao buscarem linhas de crédito no principal banco de fomento ao agro brasileiro, não são tratados com isonomia. Para os novos projetos de avicultura a exigência de garantia é de 30%, enquanto que do produtor que busca reformar a granja é exigido 200% de garantia. Essa mesma diferença de incentivo é sentida na relação com as integradoras, que estimulam mais os novos produtores sem prestigiarem os que sustentam a atividade a longa data.

Os produtores rurais buscam com a integradora maior transparência e comunicação em todos os processos. Há questionamentos em diversos sentidos, entre eles: sobre a qualidade da ração disponibilizadas às aves, idade do abate, linhagem, peso final e até sobre a fórmula utilizada para pagamento ao produtor. Essa falta de transparência, segundo o avicultor, compromete a rentabilidade.

“Outro fator que torna a relação entre integrado e integradora conturbada é o fato de produtores terem receio de sofrer retaliação caso questionem qualquer anomalia na produção, inclusive, alguns produtores se recusam a participar de reuniões da associação por esse motivo. Tal temor ocorre porque as estruturas físicas e equipamentos [galpões] na produção avícola não servem para outra finalidade, qual seja, produção e engorda de aves. Logo, se for cortado da integração, não conseguem destinar essas instalações para outra atividade”, lamenta Hoffmann, que também é presidente da Associação doa Avicultores de MS (Avimasul).

Cerca de 20 lideranças brasileiras ligadas à avicultura reuniram-se de forma virtual e elencaram nove tópicos que precisam ser revisados e discutidos nas CADECs.

Abaixo os pontos listados por eles:

1) Reconhecimento por parte das integradoras da taxa de manutenção em 1,5% sobre o valor do investimento em equipamentos, benfeitorias, máquinas, implementos e utilitários, por lote, sempre corrigindo de acordo com o valor de mercado.

2) Reconhecimento por parte das integradoras do valor de depreciação desde o início da produção.

3) Proposta uniforme por parte das integradoras para melhorias e adequações dos produtores atuais, para que ambos tenham as mesmas tratativas e valores de incentivos.

4) Integradoras elaborarem estudo de viabilidade para produtores com capacidade inferior a 80.000 aves;

5) Integrados não reconhecem a venda de dejetos das aves como renda da atividade.

6) Valorização de mão de obra legal de acordo com a CLT para a operação local (entregas de ração, alojamento e retirada de aves, coleta de ovos, etc. que hoje acontecem fora de horário comercial). Realizar uma cronoanálise para o levantamento da realidade no campo.

7) Comprovação por parte das integradoras do cenário apresentado (número de alojamentos anual, média de dias de vazio sanitário, densidade, mortalidade e peso de abate) para estudo de viabilidade financeira, com garantia de performance.

8) Apresentação por parte das integradoras do impacto da meritocracia ao longo do tempo na remuneração do produtor.

9) Reconhecimento por parte das integradoras sobre o valor do seguro de acordo com indicadores reais para cobertura de 100% do investimento (orçamentos por região).

Os 9 itens relacionados acima não esgotam a discussão de todas as regiões. São exemplos de algumas demandas dos avicultores. Existem situações pontuais das CADECs que não foram elencadas nesse documento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Topo