Todo ano, 7 milhões de pessoas morrem por causa da poluição do ar, em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A contaminação atmosférica é chamada de inimigo invisível porque seu impacto no organismo é mascarado – não é somente no sistema respiratório que os impactos são sentidos, mas em praticamente todos os órgãos do corpo.
A inalação de fuligem ou fumaça com material particulado escurece os pulmões e causa desconforto respiratório e cardíaco, além de doenças como asma e câncer. Mas como explica um estudo recente, esses poluentes também pioram quadros de diabetes, doenças cardíacas, vasculares, demência, alzheimer, leucemia infantil e outros tipos de câncer, além de afetar a fertilidade e prejudicar a saúde fetal. Para se ter uma ideia, estima-se que viver em uma cidade com ar poluído aumente o risco de ataque cardíaco em 75%. Um estudo feito no Reino Unido, apresenta evidências de que inflamações no sistema nervoso central, causada pelas micropartículas de material particulado, estão associadas a patologias como depressão e psicose.
A médica patologista Dra. Evangelina Vormittag, diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, aponta que, mesmo em um cenário de redução da poluição atmosférica de 5% entre 2012 e 2030, haverá no Estado de São Paulo um número de aproximadamente 250 mil óbitos e 1 milhão de internações no SUS por problemas relacionados à poluição, como câncer, acidente cardiovascular e problemas respiratórios em adultos e crianças.
E o impacto da poluição é desigual: a população de baixa renda está mais vulnerável aos efeitos intensos da contaminação do ar. São essas pessoas que se deslocam por mais horas no trânsito carregado das grandes cidades por viverem em regiões afastadas da periferia. Os trabalhadores do transporte também estão mais expostos à poluição dos veículos automotores.
Como um dos países mais gravemente atingidos pela COVID-19, o Brasil terá que atender em seu sistema público de saúde uma legião de pessoas recuperadas da doença que terão sequelas, e a poluição do ar é uma ameaça concreta para a vida desses pacientes.
Montadoras querem poluir mais e por mais tempo
Muitas cidades brasileiras não cumprem com as diretrizes de qualidade do ar recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. Os principais vilões são os veículos pesados – caminhões e ônibus – que apesar de representarem menos de 5% da frota rodoviária brasileira, contribuem com 90% das emissões de poluentes nocivos do setor de transporte rodoviário.
Como os veículos pesados contribuem muito para piorar a qualidade do ar, em todo o mundo, países passaram a cobrar dos fabricantes motores mais eficientes e que poluam menos. Na Europa essa norma, chamada Euro VI, já está em vigor desde 2015, mas no Brasil, essas mesmas empresas querem adiar a implementação dessa nova tecnologia – pela segunda vez. As montadoras usam sua associação de classe, a Anfavea, para pressionar o governo a postergar novamente o prazo de implementação do programa federal Proconve 8, que é equivalente ao padrão Euro IV.
O argumento das montadoras é que a crise econômica provocada pela COVID-19 inviabiliza os investimentos necessários para adotar o padrão mais avançado. Elas omitem que a migração para tecnologias menos poluidoras teve início em 2012, e a obrigatoriedade do Proconve 8 foi definida há dois anos, bem antes da pandemia. Algumas montadoras já fazem veículos com a tecnologia menos poluente para atender mercados onde há essa exigência, como o Chile.
Segundo análise do International Council on Clean Transportation (ICCT), cada ano de atraso na implementação da norma P8 após 2018 resultará em mais 2.500 mortes prematuras. E o Instituto de Energia e Ambiente (IEMA) revelou este mês que se a adoção do P8 for prorrogada, a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes responsáveis por problemas pulmonares, chegará a ser de até 20% maior entre 2025 e 2037 em comparação com o cumprimento no prazo.
Como se proteger?
É possível adotar medidas paliativas contra o ar poluído, como o uso de umidificadores de ar, máscaras e até mesmo evitar se deslocar pela cidade nos horários de maior trânsito de veículos. Também é importante verificar a qualidade do ar em sua cidade antes de sair para se exercitar ao ar livre, principalmente em dias muito quentes e secos, como os vividos nas últimas semanas em todo o Brasil.
Mas as únicas medidas que podem efetivamente resguardar a saúde dos brasileiros são ações de governo contra a poluição atmosférica. Por isso, cidadãos estão usando as redes sociais – e até o judiciário – para pressionar as autoridades.
Um movimento chamado Famílias pelo Clima entrou com uma ação em setembro contra o Governo do Estado de São Paulo por descumprimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas, promulgada em 2009. O grupo alega que o Programa IncentivAuto, criado no final de 2019, oferece subsídios de no mínimo R$ 1 bilhão para expansão de fábricas de veículos automotivos sem qualquer contrapartida para redução das emissões de gases do efeito estufa ou a adoção de tecnologias menos poluentes, o que contraria a Política Estadual.
Lançada no último mês, a campanha Inimigo Invisível está cobrando o país a cumprir os prazos de adoção do Proconve 8 por meio de pressão via e-mail ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), tomador de decisão pela manutenção ou adiamento do cronograma já estabelecido. A ação é liderada pela Coalizão Respirar, formada por organizações da sociedade civil, e pede que as fabricantes parem de pressionar o governo a adiar ainda mais a obrigatoriedade de motores menos poluentes para caminhões e ônibus.
A Coalizão Respirar enviou uma carta ao CONAMA com apoio do Ministério Público Federal (MPF), da Ordem dos Advogados do Brasil, da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Associação Paulista de Medicina. E o Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (Consema-SP), após provocação da OAB-SP, divulgou uma moção em que recomenda o cumprimento das metas estabelecidas pelo programa.
“Ceder é ir na contramão da tendência global de acelerar a adoção de veículos mais limpos, o que não apenas diminuiria o poder de competição do país no mercado internacional com a comercialização dos veículos aqui fabricados, como traria prejuízos irreversíveis à saúde pública”, afirma o texto da campanha.