A vitória acachapante do presidente eleito Luis Arce sobre golpistas, racistas, sonegadores, traficantes, contrabandistas e delinquentes deixou em total desespero aqueles que se diziam arautos da democracia e da liberdade. Só que não: bastou-lhes passar onze meses se lambuzando em nababescas orgias no Palacio Quemado, ignorando as leis e as reais necessidades do povo frente à pandemia e à fome ao longo deste período de ausência do Estado, para desviar acintosamente recursos públicos e quintuplicar o volume do tráfico, que voltou aos índices das ditaduras de Banzer e García Meza. E apesar da ínfima votação recebida pelos líderes de si mesmos, os cínicos da fronteira novamente fazem atentados, bloqueios e outras formas de sabotagem para extorquir caminhoneiros, turistas e comerciantes, que só podem passar mediante pedágio extorsivo e ilícito. Órfãos de ditadores, traficantes e contraventores, vivem da ilegalidade.
Dez de outubro de 1983. Como toda a Bolívia (à exceção das hordas narcotraficantes apoiadoras e beneficiárias de Hugo Banzer Suárez, Alberto Natush Busch e Luis García Meza Tejada), La Paz está em festa, pois os integrantes da Unidad Democrática Popular — UDP, formada pelo Movimiento Nacionalista Revolucionario de Izquierda (MNRI), Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) e Partido Comunista de Bolivia (PCB) –, Hernán Siles Suazo e Jaime Paz Zamora, tomam posse dando início a mais de três décadas de vigência do Estado de Direito no país latino-americano que mais avançou na democratização de suas instituições com estabilidade econômica e inclusão social nestas duas décadas, sobretudo quando Juan Evo Morales Ayma venceu as eleições e refundou a Bolívia.
Tal qual o Brasil, em que maus perdedores como Aécio Neves e José Serra não hesitaram destruir o Estado Democrático de Direito, bolivianos derrotados nas eleições de 2019 acabaram com a democracia em seu país, disseminaram ódio e impuseram regime ditatorial racista e de pilhagem, derrotado mais uma vez nas urnas, diferentemente do Brasil, que naufragou na promiscuidade institucional entre grupelhos de Moro e Dallagnol, milicianos do ex-capitão que até hoje não exerce o mais alto cargo que a República conferiu e os saudosistas da casa grande e da senzala que não se deram conta que não mais vivemos no século XIX.
E não é demais deixar registrado que emissários do capitão renegado, já entronizado como chefe de Estado, estiveram na Universidad Católica Boliviana (UCB) de La Paz, participando da estratégia de “partilha do poder” com os/as golpistas que tomaram de assalto os destinos da Bolívia nos dias subsequentes à deposição do Presidente constitucional Evo Morales e do Vice-presidente Álvaro García Linera. Além de funcionários da UCB a testemunhar as nefastas negociações, interlocutores arrependidos (entre eles servidores de carreira da chancelaria) acabaram por dar com a língua nos dentes. Só não sabiam Donald Trump, Jair Bolsonaro, Jeanine Áñez Chávez, Carlos Mesa, Arturo Murillo, Branko Marinkovic e Fernando Camacho que não fica impune quem abusa dos povos originários. Como ironia da história, o amo Trump e seu fantoche tupiniquim, na véspera da posse do presidente eleito Luis Arce, vivem o luto pela fragorosa derrota sofrida pelo psicopata-mor para o adversário Joe Biden na corrida para a Casa Branca.
É indiscutível, e eles/as sabem disso, que nos 14 anos de governo de Evo Morales a Bolívia não só aperfeiçoou o Estado de Direito como fortaleceu suas instituições para melhor prestar os serviços públicos à população, em especial os mais vulneráveis (não por acaso, trabalhadores, camponeses, originários e pequenos comerciantes são a base de apoio do Movimiento al Socialismo, MAS). Isso tudo sob a indiferença da mídia empresarial — da qual o candidato perdedor por duas vezes Carlos
Mesa é representante –, que, tal como no Brasil, não só não reconheceu nem cobriu eticamente como disseminou fake news enlameando a conduta moral do primeiro estadista originário de um país cujas elites desde a colonização só promoveu massacres e saques sistemáticos aos herdeiros dos Incas.
Aliás, se há algo que incomoda as elites bolivianas (e seus cúmplices estadunidenses e brasileiros) é a sabedoria comunitária, sintetizada na saudação milenar quéchua: Ama Sua, Ama Llulla, Ama Quella! (Não mentir, não roubar, não ter preguiça!) Afinal, os pretensos civilizados são obsessivos praticantes da mentira, da pilhagem e do ócio. Nas opulentas avenidas de Manhattan e na Paulista esses parasitas vivem a explorar seu próximo com o maior cinismo e arrogância. Se pairassem dúvidas, quem são os imigrantes ilegais que trabalham em regime de escravidão nas fabriquetas da rua Vinte e Cinco de Março? Tanto lá como cá, e os fatos não negam, esses arrogantes tiveram a pachorra de oprimir, explorar, humilhar, achincalhar e desmerecer culturas ancestrais em toda a América, África, Ásia e Oceania, sem pudor nem comedimento.
Mas nós que estamos na fronteira do Brasil com a Bolívia não podemos fingir não vermos cínicos que se passam por “cívicos”, patrioteiros de ocasião, que como mercenários demonstram o falso patriotismo somente quando lhes convêm. É o que ocorre neste momento em que a Bolívia se reencontra com a História, e como bactérias, miseráveis parasitas, aparecem esses bizarros órfãos das ditaduras malditas de Hugo Banzer Suárez, Alberto Natush Busch, Luis García Meza Tejada e Jeanine Áñez Chávez para levar vantagem, tirar proveito, promover a pilhagem, ostentar a força, praticar a prepotência e cultuar a opressão.
É tarefa nossa, de todos/as os/as cidadãos/ãs do mundo, de todos/as os/as amantes da paz, de todos/as os/as combatentes da opressão e da exploração, apoiar o Estado Plurinacional da Bolívia, sua honrada população diversa e plural e suas autoridades democraticamente constituídas. Não permitiremos que traficantes, delinquentes, contrabandistas, parasitas e assemelhados atentem contra a soberania popular e plurinacional da Bolívia. Somemos todos/as numa só voz: somos todos/as bolivianos/as, como somos todos/as palestinos/as, e enquanto houver um só parasita a infestar a liberdade de nossos povos, mais dia, menos dias conhecerão a derrota da prepotência, como hoje experimentam Donald Trump e todos/as os/as fantoches pelo mundo afora.
*Ahmad Schabib Hany