São Paulo (SP) – “Eu ficava pensando: como pode ser possível? Como pode existir essa doença? Meus amigos são ‘normais’. Isso vai mudar minha vida completamente! Mas decidi que isso não me define, a doença não me define”. A declaração do jovem estudante Pietro Nave Iglese, de 14 anos, que tem raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X, é usada por ele hoje em palestras que costuma fazer para espalhar conhecimento sobre sua doença, mas sua jornada até essa plenitude não foi fácil.
O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X é uma doença genética e hereditária que se manifesta com baixos níveis de fósforo no organismo, mineral, necessário para a formação dos ossos e dentes, para a composição do DNA e produção de energia no organismo. Conhecida também como XLH (iniciais da enfermidade em inglês), a condição tem como principais sintomas a deficiência do crescimento, alargamento dos punhos, joelhos e tornozelos, dor nos membros inferiores, fraqueza muscular e pernas arqueadas.
No caso do Pietro, quando começou a andar tardiamente, com 1 ano e oito meses, seus pais desconfiaram que algo não estava bem. Assim que ficou em pé, suas pernas começaram a ficar arqueadas e o primeiro diagnóstico errado recebido, entre muitos que viriam nos próximos 10 meses até chegar ao XLH, foi que a deformação seria causada pelas fraldas que ele usava.
“Um dos médicos chegou a dizer que o Pietro tinha hidrocefalia, ficamos desesperados e até buscamos associações de pacientes dessa doença. Mas percebíamos que ele não tinha aqueles sintomas”, conta o profissional de TI, Paulo Inglese Gonçalves Jr., de 42 anos, pai de Pietro.
A saga pelo diagnóstico de uma doença rara é longa na maioria das vezes. E não é diferente no caso do XLH. “Quando descobrimos o que o Pietro tinha foi um alívio e uma preocupação ao mesmo tempo, pois finalmente a doença dele tinha um nome e não era tão agressivo quanto algumas outras doenças raras, mas ao mesmo tempo era algo que mereceria cuidados para o resto das nossas vidas”, diz Paulo.
Na época, o único tratamento disponível era a reposição de fosfato, feita via oral e com comprimidos. Segundo Paulo, ele e a esposa passavam um dia da semana triturando os remédios para poder administrá-lo pela mamadeira do Pietro. “Como você dá 12 comprimidos diários para uma criança de dois anos e meio?”, questiona Paulo. A melhora do Pietro não era sentida nem por ele, nem pelos pais, o que o levou à três cirurgias corretivas.
O impacto de uma doença rara não é só físico. Tem a dedicação da família, que passa a ser maior no caso de uma criança diagnosticada, e também a repercussão emocional no paciente e de todos que o acompanham. “O Pietro chegou a sofrer bullying na escola por conta da baixa estatura, isso o deixava muito chateado, encontrar um médico que desse o diagnóstico foi uma jornada cansativa, mas ele é um menino especial”, conta o pai.
Mudança
Há pouco mais de um ano, Pietro começou um novo tratamento com um anticorpo monoclonal que reduz a perda renal de fosfato e aumenta a conversão da vitamina D na sua forma ativa. Com isso, há normalização das concentrações de fósforo e melhora de todas as consequências da hipofosfatemia na doença. “A melhora é nítida, as pernas dele estão desentortando, não tem mais dores de cabeça e ele está crescendo”, comemora o pai.
“Eu não conseguia agachar, no dia que eu tomei derrubei um brinquedo no chão e me agachei sem perceber. Na hora eu pensei: consegui! Hoje eu consigo andar mais e sinto que cresci na altura”, conta Pietro.
Nesse caminho até o tratamento atual, Pietro percebeu que poderia fazer algo a mais. Como uma facilidade de comunicação pouco usual para alguém da sua idade, ele passou a dar palestras sobre sua doença em associações de pacientes e até na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
“Percebi que tenho um ‘dom’ de compartilhar minhas experiências e meu cotidiano com as pessoas. O que eu puder fazer para espalhar conhecimento sobre doenças raras, vou fazer. Existem riscos que podem ser evitados. Quando falo o nome da minha doença para as pessoas, elas se assustam. ‘Nossa, ele tem pouco tempo de vida’, elas pensam. Não é nada disso. Eu sou uma pessoa com um detalhe a mais, as pessoas normais são um bolo sem graça, eu tenho cereja e cobertura”, brinca Pietro.
Atualmente, a terapia monoclonal para o tratamento do XLH não faz parte do rol de medicamentos disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS). A sua possível incorporação vem sendo discutida junto ao Ministério da Saúde para beneficiar outros pacientes que sofrem com a doença.