Neste Dia da Padroeira de Corumbá, Nossa Senhora da Candelária, o planeta não pôde ter ficado indiferente diante da revelação, por uma renomada revista científica, de que a vacina russa de nome sugestivo, Sputnik V, apresenta uma eficácia de 91,6% – portanto, superior a muitas ocidentais e à similar chinesa, estigmatizada anteriormente pelos “impolutos” membros da corte senhorial que agora usa a “soberania” como defesa quando há muito abriu as pernas e escancarou suas fétidas vergonhas para o mundo…
E o que têm esses senhores “impolutos” a ver com este fato histórico?
Enquanto seus sinistros e tacanhos chefetes lançam mão de toda ordem de mezinhas para sustentar seus ignóbeis argumentos de negação da ciência – como que ignorantes da medicina pudessem opinar ou prescrever “tratamento preventivo” pelo simples fato de estarem ocupando cargos do primeiro ou segundo escalão e, mais grave, disporem dos recursos públicos para comprar e distribuir para todo o país a garrafada verde-amarela (sic) enquanto faltam medicamentos e insumos imprescindíveis para a imensa maioria de usuários do SUS -, a ANVISA não autoriza o uso emergencial da Sputnik V porque – ah, sim! – os seus representantes no Brasil não seguiram os trâmites legais.
Aos amigos tudo; aos inimigos os rigores da lei. Aliás, era assim como “O Pasquim”, o mais odiado e perseguido semanário brasileiro da história, escancarou a “justissa” (com dois “ss”, não sabemos se de SS, a temida legião hitlerista, ou da inépcia própria dos pouco letrados obscurantistas patrioteiros cujos órfãos tentam ressurgir com a abertura da caixa de pandora em 2016) praticada nos tempos de “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Esses mesmos monstrengos, de competência duvidosa e pouco chegados ao trabalho desde que assumiram postos-chave por eles tão cobiçados, dedicam a maior parte do tempo a verdadeiras conspirações contra o Estado Democrático de Direito. Não gostando de jogar o jogo limpo, recorrem a todo tipo de ardil, para o qual criam inimigos imaginários, e assim justificar a inobservância à boa prática republicana. Não por acaso impuseram sem constrangimento seus áulicos nas duas casas legislativas, de modo a blindar o presidente e seus dependentes diretos e indiretos.
Mas como é possível estuprar impunemente a República à luz do dia?
Simplesmente porque há uma grande maioria de pseudodemocratas que foram eleitos para agir como representantes cartoriais de interesses muitas vezes inconfessáveis, como a famigerada bancada “BBB” (da bala, da Bíblia e do boi). Além de bem articulada e poderosíssima, usa a pressão, de cima para baixo, ao contrário da lógica democrática. Agora, com a ascensão do grupo declaradamente fascista, o mecanismo passa a ter uma dinâmica, digamos, “aritmética”, prescinde de qualquer engenharia política, do jeito que o pouco iluminado líder gosta.
Como se isso não bastasse, há aqueles autoproclamados democratas de uma tibieza insólita, para os quais, sem quaisquer escrúpulos, é preferível conviver com a extrema-direita (para se vangloriar como arautos da democracia) a ter que construir uma sólida base parlamentar de sincera e autêntica defesa das liberdades democráticas, da soberania nacional e popular e do conjunto de conquistas consignadas na legislação pós-Constituição Cidadã, entre elas a rede de proteção social, o controle cidadão das políticas públicas e o conjunto de leis ambientais, de acessibilidade e de redução das desigualdades sociais.
Embora o golpe de 2016 tivesse sido gestado pela trupe de Aécio Neves (que inclui todo o tucanato e seus aliados de passado democrata), a horda fascistoide do chamado baixo clero do parlamento brasileiro é que soube, pela mão de Eduardo Cunha, se apossar com toda destreza do serviço sujo, isto é, do desmonte do Estado Democrático de Direito. É mais ou menos o que ensina o adágio popular: “Vergonha é roubar e não poder levar.”
Todo o ardil dos “democratas arrependidos” esteve baseado, sobretudo, na quadrilha da Leva Jeito (ou seria Luva Justa?), de triste memória. Seus principais expoentes, Sérgio Moro e Daltan Dallagnol (que flertaram com os mefistofélicos da Barra, acreditando dar-lhes o golpe durante o início do mandato), ficaram com os glúteos expostos com a liberação das gravações de conversas nada republicanas, próprias de serviçais golpistas de quinta categoria. Ainda têm o partido da imprensa golpista (PiG), como o saudoso Jornalista Paulo Henrique Amorim costumava chamá-lo: Globo, Abril (ainda que falida), Folha e Estadão insistem na blindagem aos seus “heróis” com patas de barro, teimando na tese desbotada de que os vergonhosos diálogos entre o juizeco e uma das partes devem ser ignorados porque a interceptação das mensagens “foi obtida ilegalmente”.
Todos esses meios usaram e abusaram de gravações ilegais ao longo de todo o processo de desgaste do governo de Dilma Rousseff e de criminalização da política com base na estigmatização da esquerda, em especial do Partido dos Trabalhadores e de seu líder máximo, o ex-presidente Lula, até conseguir levá-lo à prisão sob os holofotes da Vênus platinada. A “classe mé(r)dia”, que não saía das ruas em sua “luta contra a corrupção”, hoje finge não saber de escândalos como a flexibilização da regulamentação ambiental, do esvaziamento da fiscalização do Ibama e ICMBio, da demora no enfrentamento das queimadas criminosas na Amazônia e Pantanal, do corpo-mole no enfrentamento da pandemia de covid-19, da demora na vacinação, do esquema de “rachadinhas”, do leite condensado superfaturado e do leilão de cargos do primeiro e segundo escalões do (des)governo Bestassauro para impor seus candidatos a presidente das casas legislativas.
As elites míopes e excessivamente egoístas podem até enganar seus contemporâneos, mas sua postura cinicamente suicida, por fingir que desconhece o desmonte do Estado brasileiro pela horda que tomou de assalto os destinos da nação, será registrada pela História. Trata-se de uma ignóbil atitude de ema diante do risco iminente de pôr a perder todas as conquistas dos últimos dois séculos, obtidas a um elevado custo humano, com o vexatório propósito de jogar na lata do lixo os avanços sociais que culminaram com a Lei da Empregada Doméstica, a Lei Maria da Penha e a Lei de Cotas (sociais e raciais), entre outras.
Pobre país, tão longe da razoabilidade das elites e tão perto do entreguismo cínico dos patrioteiros de plantão… Não restará aos poucos seres minimamente indignados ter que refundar a República, mas desta vez com a efetiva participação da sociedade, por meio dos setores organizados e forjados na luta pelas liberdades democráticas. Mais uma vez, o reencontro do país-continente com a História se dará mediante a efetiva participação dos setores organizados da sociedade, sob pena de enveredarmos num perigoso rumo de recolonização de consequências imprevisíveis.
*Ahmad Schabib Hany