Rio de Janeiro (RJ) – A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) viu como insuficiente o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio, relator da ação aberta contra o presidente Jair Bolsonaro e a União cobrando cuidados para as comunidades quilombolas no combate à pandemia. O julgamento começou nesta sexta-feira (12/2) na corte. Para a Conaq, embora o ministro reconheça a omissão do Estado no combate à pandemia nas comunidades quilombolas, seu voto ignorou ações urgentes e necessárias para proteger as populações quilombolas da disseminação da doença.
O voto do ministro Marco Aurélio julgou parcialmente procedente o pedido feito pela Conaq na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 742/2020), protocolada no STF pela entidade e pelos partidos PT, PSOL, PCdoB e PSB em 9 de setembro de 2020. Assim, a decisão do ministro não acolheu pedidos de medidas imediatas, tais como distribuição de equipamentos de proteção individual (máscaras e outros), água potável e materiais de higiene; a adoção de medidas de segurança alimentar e nutricional, como distribuição de cestas básicas; e garantia de acesso regular a leitos hospitalares e meios para testagem regular e periódica em integrantes das comunidades quilombolas, entre outros.
Na ADPF, a Conaq reivindicou a elaboração urgente de um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia de Covid-19 nas Comunidades Quilombolas, com a constituição de um grupo de trabalho. A articulação ainda listou ações imediatas para a proteção dos povos quilombolas. Cinco meses após o protocolo da ação, os pedidos ainda permanecem atuais, já que a realidade das comunidades se mantém inalterada, ou mesmo foi agravada, com os impactos da pandemia. Entretanto, o ministro Marco Aurélio não considerou tais urgências.
“Os pedidos têm relação com a desestruturação das políticas públicas e a histórica violação dos direitos das comunidades quilombolas. Há comunidades atingidas por empreendimentos que ainda lutam pelo direito à água. Disputas territoriais e a não titulação dos territórios dificultam o plantio de alimentos, e em muitos municípios onde estão as comunidades não há médicos. São pedidos emergenciais que tem relação com uma realidade de negação de direitos anterior à pandemia”, explica a assessora jurídica da Terra de Direitos e Conaq, Vercilene Dias.
A Conaq lembra que desde a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) para a Presidência da República, nenhum decreto de desapropriação de território quilombola foi assinado, atrasando ainda mais os processos de titulação em todo o Brasil e confirmando declarações feitas pelo então candidato, durante o período eleitoral, de que, em seu governo, nenhuma terra seria cedida a indígenas e quilombolas. No Projeto de Lei Orçamentário para 2021, por exemplo, constavam pouco mais de R$ 329 mil para governança fundiária – rubrica a que a titulação está vinculada. O montante representa uma redução em 85% do valor de 2020, que totalizava R$ 3 milhões.
Maior vulnerabilidade à pandemia
Tal cenário macropolítico e econômico, que mostra a intensa desigualdade social e o abandono estatal, implica maior vulnerabilidade das comunidades quilombolas à doença, reforça a Conaq. Cerca de 75% da população quilombola vive em situação de extrema pobreza, dispondo de precário acesso às redes de serviços públicos, aponta pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Os dados mostram que apenas 15% dos domicílios quilombolas têm acesso à rede pública de água, e 5%, à coleta regular de lixo – em 89% dos domicílios o lixo doméstico é queimado. Só 0,2% estão conectados à rede de esgoto e de águas pluviais. O acesso à água e estruturas adequadas de saneamento são apontadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como essenciais para proteção à disseminação desenfreada do coronavírus.
A população quilombola também não consta como destinatária de políticas públicas específicas no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023.