São Paulo (SP) – Robert Scheidt está na reta final de preparação para sua sétima Olimpíada. Aos 48 anos, se sente preparado para lutar pela sexta medalha. O recente vice-campeonato na última seletiva europeia da classe Laser para Tóquio, disputada em Vilamoura, Portugal, ratifica sua confiança. No Brasil, como nos seis Jogos Olímpicos anteriores, a torcida – e a expectativa – é pelo ouro. Em sua casa, na cidade italiana de Torbole, não é diferente. O filho Erik, de 11 anos, segue os passos do pai. Já tem título paulista e brasileiro de Optimist e saiu com essa frase quando Robert chegou em casa com o troféu de segundo lugar. “É, foi bom, mas dava para ter ganho”. Scheidt, que é patrocinado pelo Banco do Brasil e Rolex e que conta com o apoio do COB e CBVela, contou essa e outras boas histórias na entrevista coletiva on-line, realizada da manhã desta quinta-feira (6).
Confira as respostas do velejador. Para assistir ao vídeo, acesse a ZDL TV no YouTube: clique aqui.
Pergunta – O quanto esta pandemia atrapalhou (ou ajudou) na sua preparação para Tóquio?
Robert Scheidt – Do lado humano, a pandemia é uma coisa muito triste. Muitas vidas perdidas. Para mim, também foi um momento de bastante apreensão. Porém, pelo lado esportivo, o tempo a mais teve um impacto positivo. No ano de 2020 eu não vinha em uma fase muito boa, tive problemas físicos, com lesões e não fiz um bom Campeonato Mundial. Com os meses e esse ano a mais eu consegui me organizar melhor, ajustar alguns pontos na preparação e mexer em coisas que não estavam muito boas. Trabalhei muito duro nesse período e consegui elevar meu nível. Assim, acredito que esse tempo a mais foi benéfico.
Pergunta – O seu ciclo não teve resultados tão bons em Campeonatos Mundiais e Copas do Mundo, mas nesses torneios preparatórios você tem conseguido grandes resultados. O quanto essa prata em Vilamoura te deixa acreditando ainda mais em uma medalha?
Robert Scheidt – O meu momento nesses últimos meses vem em uma crescente. Os períodos de treino em Lanzarote (no litoral do arquipélago das Ilhas Canárias, na Espanha), nos meses de janeiro, fevereiro e março, combinados com bom trabalho de preparação física, foram muito importantes. O resultado em Vilamoura mostrou que estou no caminho certo. Ainda faltam dois meses para a Olimpíada, não tem nada garantido e algumas coisas ainda podem mudar, mas sei que posso disputar de igual para igual com qualquer um. E esse era o objetivo desde o início, ser competitivo em Tóquio.
Pergunta – Pela primeira vez, desde os Jogos de Atlanta, em 1996, você disputará uma Olimpíada sem a pressão do favoritismo. Se sente mais leve para disputar uma medalha?
Robert Scheidt – Sim, me sinto mais leve que em outros Jogos. Não sendo o favorito, você pode fazer as coisas com mais tranquilidade, já que os holofotes não estão em você o tempo todo. Mas isso não significa que eu queira menos a medalha, que eu sonhe menos. Pelo contrário, a vontade de chegar no pódio e fazer uma boa campanha é igual das outras vezes. Na verdade, é até maior. Estou chegando no final da minha carreira e as chances de poder seguir nessa caminhada olímpica vão diminuindo. Realmente, a responsabilidade não está tão grande sobre mim por não ser um dos favoritos, mas não quer dizer que eu queira menos.
Pergunta – Você já competiu em Enoshima, o que esperar das condições de vento e mar na Olimpíada? A raia japonesa te favorece?
Robert Scheidt – Devido a pandemia, nenhum atleta conseguiu se preparar de maneira perfeita. Normalmente na vela, os atletas se deslocam para o local de competição muitas vezes para se adaptar a raia, ao vento, ao mar, enfim, ao clima, que é tão importante no nosso esporte. E, dessa vez, ninguém teve muitas chances de treinar na raia olímpica. Eu acredito que chegar em cima da hora, em um evento de grande pressão, pode ser um ponto a meu favor. Eu já passei por muitas situações em seis Olimpíadas, pois o lado mental, a calma, a tranquilidade em função de ter vivido muitas coisas, pode me ajudar em um torneio em que esse reconhecimento do local da disputa não pode ser explorado. Em relação às condições, a raia em Enoshima pode mudar de tempo, de vento fraco a forte. Não predomina uma condição e tem que estar pronto para o que vier. Serão seis dias de competição e, naturalmente, vai haver variação no clima. E isso me favorece. Sou um velejador que cobre bem tanto vento forte como fraco. Então, seria mesmo bom que não tivéssemos a mesma condição a semana toda.
Pergunta – Qual será o principal desafio dessa Olimpíada diante da pandemia de Covid-19?
Robert Scheidt – O ponto principal é, antes e durante os Jogos, evitar ao máximo o risco de contaminação, porque isso pode acarretar na exclusão da competição. Um fator secundário será a mudança da rotina. Pelo que nos foi passado, não teremos liberdade para sair na nossa Vila, fazer uma caminhada, comprar alguma coisa, ir ao cinema ou mesmo assistir outras modalidades. Essas coisas ajudam a quebrar um pouco a rotina, que promete ser restrita, e isso tem o seu peso. Você, provavelmente, não terá a possibilidade de deixar de pensar na Olimpíada nem por 30 minutos do dia.
Pergunta – Será sua última Olimpíada. Como você imagina que vai se sentir quando começar a disputa? É uma motivação a mais? Terá algum nervosismo a mais?
Robert Scheidt – Em cada Olimpíada existe bastante ansiedade, seja na primeira ou na sétima. E isso não vai mudar. O importante é que essa ansiedade não chega a um patamar que atrapalhe a performance. Eu quero muito lutar por uma medalha, representar bem o meu país mais uma vez e, com certeza, não vou conseguir escapar da ansiedade, mas vou ser capaz de controlá-la para que não atrapalhe a minha velejada.
Pergunta – Quem são seus principais concorrentes? Existe algum tipo de tática para poder derrotá-los ou tudo vai depender das condições das regatas diariamente?
Robert Scheidt – No momento, um dos nomes mais fortes para os Jogos é o alemão Philipp Buhl, que é o atual campeão mundial e venceu em Vilamoura com um ponto a mais do que eu. Ele está em uma fase boa e, aos 30 anos, é experiente. Em relação aos outros nomes, temos o Matt Wearn, da Austrália e o Sam Meech. Mas ainda é uma incógnita como eles chegarão a Tóquio. Eles estão treinando isolados em seus países e não tive oportunidade de velejar contra eles em 2021. Só tive contato com os atletas norte-americanos, europeus e sul-americanos. Além desses, velejadores da Croácia, Chipre e França, no caso o Jean Baptist Bernaz, que é meu companheiro de treino, são nomes fortes. Acredito que teremos dez a 12 atletas lutando pelas três medalhas e acredito que estou entre eles. A Laser é muito forte, com uma grande representatividade no mundo e é a classe na qual o velejador faz a diferença. Quando a gente chegar na Olimpíada, todo o material vai ser fornecido pela organização – vela, mastro e barco – então, o que conta é a maneira como se veleja, as escolhas táticas.
Pergunta – Qual dica ou orientação você pode dar para os jovens brasileiros que vão tentar a primeira medalha em Tóquio?
Robert Scheidt – O grande perigo dos Jogos Olímpicos é tentar fazer algo para o qual não treinou ou não esteja habituado. Por ser a Olímpiada, tentar criar um algo a mais na última hora. Acredito que o que funciona fora dos Jogos Olímpicos continua funcionando nos Jogos Olímpicos. Em qualquer modalidade, a palavra é simplicidade e fazer aquilo que se faz bem, porque acaba que muitos atletas não conseguem performar, dar o seu máximo, em função da pressão por estar em uma Olimpíada. Se fosse para escolher uma palavra, seria simplicidade. Manter as coisas simples pode fazer bastante diferença.
Pergunta – O que mudou do Robert Scheidt da Olimpíada do Rio para o Robert Scheidt da Olímpiada de Tóquio?
Robert Scheidt – Bom, cinco anos a mais. Mais experiência, mais maturidade. Mas acima de tudo, muito feliz pela oportunidade de representar o Brasil mais uma vez e chegar à sétima Olimpíada. Depois da Rio/2016 eu velejei um ano de 49er e, na sequência, anunciei minha aposentadoria dos Jogos. Então, naquele momento, a Olimpíada era uma coisa distante, a qual eu não teria mais chance. E, pela segunda vez na carreira, eu retornei para a classe Laser. Muita gente questionou se eu teria alguma chance, e estou aqui. Hoje, acredito que estou em uma boa fase e tenho tudo para chegar competitivo em Tóquio.
Pergunta – O que mudou na classe Laser de 2016 para cá? Os materiais do barco são os mesmos, o modo da flotilha se comportar nas regatas?
Robert Scheidt – O que mudou foi o mastro. A parte de baixo é de alumínio e a parte de cima passou a ser de carbono. Isso acrescentou dureza ao mastro. E a vela mudou também. Isso acrescentou mais potência ao barco e o deixou ainda mais difícil de controlar nos ventos fortes. Hoje, exige mais o contrapeso, a escora, no linguajar da vela. O peso dos atletas também aumentou. No Rio, o ideal era 80kg, agora é 84-85kg. Eu consegui me adaptar, ganhei massa magra e estou com 84kg, perto do ideal. A técnica de velejar mudou um pouco, principalmente no vento em popa. Para ser bem sincero, em 2019, quando voltei para a classe, demorei para me adaptar e tive dificuldade em performar no popa, que sempre foi meu forte. Mas, com muito trabalho e “horas de voo”, comecei a melhorar minha técnica e estou cada vez mais confortável.
Pergunta – Aos 48 anos, Scheidt, como você se sente técnica e fisicamente para encarar os Jogos? O quanto os cuidados com a preparação física e a fisioterapia, e os tempos de descanso, colaboraram para sua longevidade no esporte e no seu atual momento da carreira?
Robert Scheidt – Essa é uma questão crítica. Com a idade, o principal é o tempo de recuperação e o maior risco de lesão. Equilíbrio e a qualidade do treinamento são fundamentais. Se antes, com 20-30 anos, minha filosofia era fazer mais que os outros para que o resultado viesse como consequência, hoje, não consigo mais fazer dessa forma, porque vou acabar me machucando e isso é contraproducente. Hoje em dia, meu volume de trabalho é bem menor que antes, mas com qualidade e intensidade maior. Essa é a grande mudança. Também é preciso saber escutar o corpo, quando ele precisa de descanso ou está prestes a se lesionar. Também é importante contar com a ajuda de bons profissionais de fisioterapia e preparação física. Tem também as coisas simples, que muita gente negligencia, como alimentação regrada e sono. Agora, tenho uma rotina ainda mais regrada. E por ter feito tudo isso sempre, ainda tenho chance de seguir usando meu corpo em alta performance. Ele me permite fazer esse abuso, que são essas velejadas de Laser, especialmente nos ventos fortes.
Pergunta – O que o Robert Scheidt de 1996 pensaria se alguém dissesse pra ele que 25 anos depois ele estaria disputando sua sétima Olimpíada e brigando pela sexta medalha?
Robert Scheidt – Eu não iria acreditar. Em 1996, com 23 anos, eu achava que 35 anos era o limite de idade para ter uma boa performance. E essa questão do tempo de carreira está mudando em todos os esportes. Hoje, o atleta consegue ter maior longevidade. Tudo depende de como ele se cuida e de sua força interior. Do quanto ele quer brigar por resultados e medalhas.
Pergunta – Você é casado com velejadora e já tem filho velejador. Como está a ansiedade em casa?
Robert Scheidt – Esse companheirismo e essa torcida aqui dentro de casa são ótimos. A gente não fala de vela o tempo todo, muito pelo contrário. Na verdade, quando eu voltei de Vilamoura, estava contente com a minha segunda colocação e, quando entrei em casa, o Erik (filho mais velho, de 11 anos, que já tem título paulista e brasileiro de iniciante da classe Optimist) falou: “É, foi bom, mas dava para ter ganho”. Essa é uma boa atitude, de não se contentar com seu resultado e querer sempre melhorar. Foi uma coisa legal que ele me falou. A Gintare sempre me apoia. É uma grande velejadora, viveu três Jogos Olímpicos e o que é essa caminhada final. Está do meu lado para o que der e vier.
Pergunta – O que te motiva a continuar competindo e lutar para ganhar mais medalhas? Ainda dá um frio na barriga ao largar ?
Robert Scheidt – O que me motiva é a paixão pelo esporte. Não só velejar, mas competir, testar meus limites. O que estou fazendo na Laser, ninguém nunca fez e isso mostra para a juventude que eles têm muita lenha para queimar, que se cuidando e querendo muito, dá para velejar por muito tempo. No meu caso, é isso, a chama, a paixão, a vontade de tentar de novo e lutar.
Pergunta – Qual dos Jogos Olímpicos em que você participou, se lembra com mais carinho?
Robert Scheidt – Cada ciclo é uma história. Todos foram maravilhosos. Até o quarto lugar no Rio me ensinou, por exemplo, a me questionar sobre o que poderia ter feito diferente para não ficar fora do pódio. Mas, se tivesse que escolher, seria a primeira medalha de ouro, em Atlanta/96. Naquela época, aos 23 anos, não entendi muito bem a grandeza de tudo aquilo. Mas guardo com carinho todas as medalhas, não só no Laser, como na Star, com o Bruno Pardo, um barco técnico e em dupla. Isso também foi um marco na minha carreira.
Pergunta – Depois de Tóquio, quais serão seus próximos passos na vela?
Robert Scheidt – Eu estou tentando viver meu presente. São praticamente oito a nove semanas até Tóquio e passa muito rápido. Estou concentrado em ver o que posso fazer para ganhar em performance. Não estou pensando nisso e em nada além. Depois veremos as possibilidades, talvez em barcos maiores. Mas não perco um segundo pensando nisso agora. Meu foco está em 25 de julho, dia da minha primeira regata, depois vemos o que o futuro trará.
Recorde nos Jogos de Tóquio – Com vaga garantida na classe Laser para os Jogos do Japão, Robert Scheidt, que completou 48 anos há três semanas (dia 15 de abril), está prestes a disputar o maior evento esportivo do planeta pela sétima vez, um recorde entre os atletas brasileiros.
Scheidt retornou à classe Laser em 2019, após quase três anos ausente, desde os Jogos do Rio/2016, onde terminou na quarta colocação, mesmo vencendo a medal race. Nesse período de readaptação às novas técnicas e nova mastreação, cumpriu seu objetivo principal, que foi o índice para Tóquio, com o 12° lugar no Campeonato Mundial da Classe Laser 2019, em Sakaiminato, no Japão. Ele confirmou a vaga no Mundial da Austrália, em fevereiro de 2020, quando chegou à flotilha ouro e foi o melhor brasileiro na disputa.
Maior atleta olímpico brasileiro – Em março de 2020, foi eleito o maior atleta olímpico do Brasil, em votação coordenada pela Rede Globo com os maiores medalhistas olímpicos do País. Na comemoração dos 100 anos de história do Brasil nos Jogos Olímpicos, no início de agosto deste ano, ficou em segundo lugar em votação de 100 jornalistas, atrás apenas de Adhemar Ferreira da Silva e à frente de Joaquim Cruz, seus ídolos que muito o inspiram.
Cinco medalhas:
Ouro: Atlanta/96 e Atenas/2004 (ambas na Classe Laser)
Prata: Sidney/2000 (Laser) e Pequim/2008 (Star)
Bronze: Londres/2012 (Star)
181 títulos – 89 internacionais e 92 nacionais
Laser
– Onze títulos mundiais – 1991 (juvenil), 1995, 1996, 1997, 2000, 2001, 2002*, 2004 e 2005 e 2013
*Em 2002, foram realizados, separadamente, o Mundial de Vela da Isaf e o Mundial de Laser, ambos vencidos por Robert Scheidt
– Três medalhas olímpicas – ouro em Atlanta/1996 e Atenas/2004, prata em Sydney/2000
– Na Olimpíada Rio 2016, terminou em quando lugar, vencendo a medal race, televisionada para o mundo todo.
Star
– Três títulos mundiais – 2007, 2011 e 2012*
*Além de Scheidt e Bruno Prada, só os italianos Agostino Straulino e Nicolo Rode venceram três mundiais velejando juntos, na história da classe
– Duas medalhas olímpicas – prata em Pequim/2008 e bronze em Londres/2012
– Integrante fundador da Star Sailors League, um circuito global de competições em franca ascensão, como uma ATP da vela, com ampla cobertura midiática. Scheidt foi o campeão da primeira edição, em 2013, ao lado de Bruno Prada, e vice-campeão em 2017 e 2018, com Henry Boenning.