Campo Grande (MS) – Menos espaço reclusos e mais salas de aula. Esse tem sido o legado pedagógico que o projeto Medida de Aprendizagem está deixando em diferentes Unidades Educacionais de Internação (Uneis) de Mato Grosso do Sul desde 2018.
“Eu já fiz um curso de aprendizagem pelo Senai quando tinha 15 anos e trabalhava num frigorífico. Agora, vou fazer mais uma formação e espero que esse certificado me ajude a conseguir uma vaga no mercado quando sair daqui”. A expectativa é de V.P.R., um dos 15 internos da Unei Laranja Doce, em Dourados, que iniciaram na última sexta-feira (25) as aulas no curso de almoxarife de obras e passam agora a ter um novo paradigma de futuro do lado de fora.
A parceria, dessa vez entre o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), também germina rastros positivos em Campo Grande, onde 11 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na Unei Dom Bosco estão sendo qualificados desde o começo de junho, e em Ponta Porã, alcançando dez jovens selecionados na Unei Mitaí.
“Literalmente, tivemos que construir essa sala de aula para que vocês – e as turmas anteriores – pudessem estudar aqui. E hoje, olhando para cada um, tenho esperança de que por meio dessa oportunidade vocês possam colher realmente algo diferente do que já viveram até aqui. O caminho que irão percorrer até o final do curso será de uma grande mudança de percepção, de sentido, de sonhos. Para aonde vocês querem levar toda essa experiência e conhecimento?”, indagou a procuradora-chefe do MPT-MS, Cândice Gabriela Arosio, durante a cerimônia que marcou o início das aulas em Dourados, lembrando que o impacto afirmativo na vida dos adolescentes já começa com a emissão de documentos necessários para participação no curso e pleno exercício da cidadania, como CPF, RG e carteira de trabalho.
Arosio ainda agradeceu a confiança depositada pela Usina Fátima do Sul Agro-energética S.A. Álcool e Açúcar no projeto, colaborando com a contratação dos aprendizes por meio do cumprimento alternativo da cota legal de aprendizagem. Essa hipótese é assegurada pelo Decreto nº 8.740/2016 às empresas que devem empregar aprendizes, mas têm dificuldade em razão da natureza de suas atividades – perigosas, noturnas ou insalubres – ou das limitações dos espaços físicos.
Parceiros que transformam vidas
Em Mato Grosso do Sul, essa modalidade triangular de empregabilidade – em que a empresa contrata, a entidade qualificadora ministra a parte teórica e a vivência profissional na unidade de internação – já certificou na área administrativa aproximadamente 80 jovens em conflito com a lei, muitos explorados em atividades ilícitas como o tráfico de drogas. A expectativa é que o projeto chegue, ainda neste ano, às unidades dos municípios de Corumbá e Três Lagoas.
Segundo o diretor-regional do Senai em Mato Grosso do Sul, Rodolpho Caesar Mangialargo, o curso terá 800 horas e duração média de dez meses. As aulas serão realizadas de segunda à sexta-feira, das 13h às 17h. “Nós tivemos de remodelar o curso para que os internos pudessem ter aulas teóricas e práticas da rotina de um almoxarife de obras dentro da Unei. Para isso, vamos montar uma indústria aqui dentro para simular a aprendizagem profissional. Pouco importa o motivo que os trouxe até aqui. Queremos é oferecer uma oportunidade de reinseri-los de uma maneira diferente nas suas vidas pessoais”, explicou.
Ainda conforme Mangialargo, o Senai tem um índice de aceitação no mercado de trabalho muito satisfatório e, seguramente, essa formação deverá abrir novos horizontes para os jovens. “Ao menos 94% dos alunos que saem do Senai com diploma conseguem um emprego”, disse ele.
Já a superintendente de Assistência Socioeducativa da Sejusp, Tatiana Rezende Nassar, ressaltou os esforços coletivos que resultaram na aquisição da mobília e dos equipamentos instalados na sala onde o curso acontece. “Houve a mobilização de muitas pessoas para que chegássemos até aqui. Não há dúvidas de que essa certificação será um diferencial na vida de cada um”, observou.
José Marcondes, diretor da Unei Laranja Doce, disse que os sentimentos são de alegria e gratidão com a retomada da aprendizagem profissional na unidade. “É a maior turma que temos desde que o projeto foi implantado na unidade. Os adolescentes estão ansiosos e entusiasmados com o curso. E já colhemos alguns frutos de edições anteriores, com egressos inseridos no mercado de trabalho e ressocializando da forma correta. Sabemos que o Senai é referência em qualificação profissional e vai proporcionar chances de novas portas se abrirem para esses jovens”, concluiu.
Por trás de toda grande iniciativa existem pessoas cujo diferencial técnico e, principalmente, humano é responsável por fazer dar certo. Paulo Torraca, diretor da Unei Mitaí em Ponta Porã, sem dúvida é uma delas. Com uma atuação proeminente desde a fase embrionária do projeto Medida de Aprendizagem, Torraca deixou um recado para os jovens na sexta-feira (25): “Queremos que vocês voltem ao convívio social com uma formação e uma chance de recomeço digno”.
Além de proporcionar conhecimento para o exercício de um ofício, os adolescentes tiveram o contrato de trabalho registrado em carteira e receberão salário mínimo hora, férias, 13º salário proporcional ao período do curso, bem como acesso a outros direitos sociais – descanso semanal remunerado e recolhimentos previdenciários e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (este fixado em 2%). Os valores ficam depositados em uma conta judicial e são resgatados após a saída da unidade de internação.
No Brasil, o trabalho é totalmente proibido antes dos 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. A Lei nº 10.097/2000 determina que estabelecimentos de qualquer natureza, com sete ou mais empregados, estão obrigados a reservar entre 5% e 15% de suas vagas, cujas funções demandem formação profissional, para alocação de aprendizes. Em microempresas e empresas de pequeno porte, a contratação de aprendizes é facultativa.
De modo geral, para serem admitidos como aprendizes, os jovens devem ter entre 14 e 24 anos incompletos, exceto no caso das pessoas com deficiência, para as quais não se aplica o limite de idade. Também precisam estar cursando ou devem ter concluído o ensino fundamental ou médio. A lei determina ainda que a contratação será por prazo determinado de até dois anos – nas unidades educacionais de internação, a duração do curso precisa ser concomitante ao lapso temporal estabelecido para cumprimento da medida socioeducativa imposta.
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul