O Vestibular (2022) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, um dos mais concorridos do Centro-Oeste, se aproxima e com ele vem a indicação das Obras de Leituras Obrigatórias, nove no total, que abarcam os seguintes movimentos literários: arcadismo, realismo, pré-modernismo, modernismo e literatura contemporânea. Ao se debruçar sobre este conteúdo, os vestibulandos devem atentar para o estudo de cada autor, o estilo de época, o contexto histórico e análise crítica, visto que a tendência das bancas examinadoras é apresentar questões que pressupõem um bom conhecimento crítico e interpretativo dos alunos/leitores.
No que diz respeito aos textos literários do Conteúdo Programático para o Vestibular 2022 e PASSE, a UFMS contemplou, dentre ícones da Literatura Brasileira, o poeta Rubenio Marcelo, radicado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e seu livro de poemas: Vias do Infinito Ser. Como foi dito acima, é preciso conhecer o autor em suas peculiaridades literárias e, sendo assim, seguem considerações a respeito deste escritor e sua obra (literatura contemporânea): Há cerca de duas décadas, quando Rubenio Marcelo iniciou suas publicações em Campo Grande, o estado de Mato Grosso do Sul viu nascer um de seus mais expressivos poetas; e a justa indicação deste seu livro é conquista de mérito irrestrito. A obra contemplada pela UFMS, Vias do Infinito Ser, configura o poeta existencialista na sua essência, que recolore com maestria os fatos e sentimentos cotidianos, refletindo sobre a condição humana, a busca da virtude, o ser na sua complexa natureza e cujo objetivo de vida lhe é dolorosamente desconhecido. Eis aí uma das maiores características da realidade contemporânea tão bem trabalhada nos versos do autor em discussão.
No poema Enredo Com/Porta/Mental vê-se um instante dessa dor:
“…ainda em tempo
De mover seus olhos…
ainda em tempo
De não morrer sem luz.”
Rubenio Marcelo é, dentre tantos poetas contemporâneos, uma figura singular – uma personalidade que compreende essencialmente a poesia como portadora de realidades pelas quais, ou contra as quais, vale a pena lutar com as palavras…
O poema Pedra Funda Mental é testemunho das ideias acima:
“…mas o compasso congênito
dos nossos passos
[qual aquele poema que marca
e demarca – em alvo horizonte –
o seu voo naturalmente azulíneo]
fica como fiel testemunha
da pedra fundamental do nosso olhar.”
Detentor do mágico jogo das palavras, não se intimida com as eventuais encruzilhadas que elas lhe armam; antes, a sua inquietude poética leva-o a batalhar com desenvoltura até mesmo com o indizível, o fantástico, o transcendental e, nesse clima de encantamento, rompe com o tempo e instala um raro e belo diálogo entre presente, passado e futuro. Rubenio Marcelo sabe que a poesia é um trabalho de “escavação”; ele sabe que o “ser deve superar o tempo”, como disse Alfredo Bosi em Poesia-Resistência.
O poema Pelos caminhos essenciais da Poesia configura o conhecimento do trabalho de escavação:
“…contigo caminho,
Poesia,
e na tua confidência
desarmo as tocaias
e subterfúgios do cotidiano…
recobro a leveza da intuição
e dou-me conta
da tua clara evidência…
de novo
contigo caminho
Poesia
– caminho e abrigo e renovo.”
Esse entendimento é responsável pela atemporalidade e universalidade presentes na obra Vias do Infinito Ser. Rubenio Marcelo é poeta do mundo. Ele canta as dores, angústias, alegrias, decepções, expectativas do homem contemporâneo. Ele dialoga com a linguagem poética. Pelo poder do verbo, apresenta o real ao homem e cumpre com a função de expressão dos sentimentos humanos mais profundos. Daí a incrível disseminação de seus versos. RM sabe exatamente a medida de seus mais reflexivos e complexos pensamentos e equilibra dimensões filosóficas e metafísicas, visto que não se afasta, em momento algum, do poder transformador e catártico da poesia.
A amplitude holística de sua poética se deve à independência que Rubenio infundiu em seus poemas, libertos de pressões de qualquer natureza, mesmo quando se serve de intertextualidades.
Julia Kristeva, escritora, filósofa, crítica literária, afirma: “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. Rubenio Marcelo deixa entrever em vários poemas um leque de relações intertextuais, de diferenças e tensões ao estruturar semanticamente seu pensamento poético.
Embora RM apresente intertextualidade com ideias heideggerianas – a existência autêntica seria aquela que sabe que vai morrer, a única verdade que o tempo nos dá. Nós somos o ser-aqui, o homem em face da finitude, e o tempo é a própria substância dessa finitude – o poeta vai mais além ao acrescentar sua visão pessoal de que o tempo é histórico e que o presente prepara o futuro dando sentido à caminhada humana. Entanto, o ser-no-mundo pode se aproximar do infinito através da linguagem ou por suas ações de virtude, que se tornam exemplares (se infinitizam) através do tempo.
Às intertextualidades se juntam, semanticamente, metáforas inusitadas, sinestesias, símbolos pulsantes e habilidoso uso da metalinguagem (um dos pontos marcantes do livro), além de características estruturais que se mantêm, como ritmo, melodia, repetições. Cada uma delas possui – nos versos de Vias do Infinito Ser – sentido próprio, o que dá dinamismo à poesia rubeniana! Seus versos são como essências vivas e permitem múltiplos significados, proporcionam revelações espontâneas. No seu texto poético viceja a liberdade da linguagem, que “é a morada do ser”, como afirmou Heiddeger.
Enfim, Rubenio Marcelo exprime a sua natural identificação interativa com a palavra simbólica; contempla-a; sente-a profundamente:
“Poesia, Poesia…
em teu espírito
entrego as minhas mãos…”
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*a autora Ana Maria Bernardelli é ensaísta, escritora e professora. Formada em Língua e Literatura Francesa pela Université de Nancy, França. Especialista em Literatura Brasileira e Portuguesa, há quatro décadas leciona em cursos preparatórios para concursos públicos e vestibulares. Recentemente, lançou o livro de poemas: Na Trilha das Formigas. Natural de São Paulo, reside em Campo Grande-MS.