Ao som de “El pueblo unido jamás será vencido” – hino libertário de 1970, de autoria de Sergio Ortega, do grupo Quilapayún –, multidões se regozijam com o resultado das urnas em todo o Chile neste domingo, 19 de dezembro. Ninguém menos que um jovem advogado de 35 anos chamado Gabriel Boric derrotou o candidato pinochetista, do atual presidente Sebastián Piñera.
Diferente das enquetes que prognosticavam o resultado do segundo turno presidencial, um tímido empate técnico com ligeira vantagem para o candidato da nova esquerda chilena, Boric empreendeu uma consistente derrota aos conservadores e neoliberais e à mídia empresarial ao cravar mais de oito pontos percentuais sobre o adversário. Essa mesma imprensa e seus aliados conservadores e neoliberais agora dizem que o candidato recém-eleito não é necessariamente de ‘esquerda’…
O Chile e o Peru elegeram candidatos de esquerda com uma agenda própria de suas realidades locais. O Chile, depois do sangrento golpe de Augusto Pinochet, em setembro de 1973 contra o presidente Salvador Allende, mudou por completo seu projeto de Estado com a adoção de uma agenda conservadora, razão pela qual o presidente eleito terá que usar muita habilidade para mudar isso por completo. O Peru, por seu turno, encontra-se vivendo um dilema cruel: em meio à corrupção entranhada pelos sucessivos governos fantoches com discurso neoliberal, as demandas populares estão represadas desde os fins da década de 1980, quando Alberto Fujimori derrotou o candidato apoiado pelo então presidente Alan García e, dois anos depois, fez um autogolpe, assumindo, a partir de 1995, sua face mais fascista, uma ditadura militar pró-Estados Unidos.
A situação na Bolívia e Argentina, onde há uma base popular mais organizada por conta dos anos de governos populares com ampla participação popular nesses países, golpistas da oposição recalcada insistem em criar crises políticas para paralisar a economia do país. O efeito não está sendo bem-sucedido, mas produz seus impactos perversos junto à faixa populacional em situação de vulnerabilidade social e econômica. São pessoas que, na Argentina com a política econômica neoliberal do Mauricinho Macri e na Bolívia com a atuação corrupta e terrorista dos asseclas da pseudolíder Jeanine Áñez, voltaram a viver em condições muito mais críticas que no tempo de Cristina Kirchner e de Evo Morales.
Esses ventos que sopram da Cordilheira dos Andes (afinal, se estende da Venezuela até o Canal de Beagle, fronteira entre Argentina e Chile) inevitável e determinantemente deverão chegar ao extenso território deste país-continente. À medida que a farsa do pseudocombate à corrupção desmancha com o desmascaramento da ‘Leva Jeito’ e o derretimento das mentiras do ‘mito’, aquele que foi sem nunca ter sido, define-se o tom das eleições de 2022, em que o amor deverá vencer o ódio; a esperança vencer o medo; a verdade vencer as fakenews, e a democracia vencer o fascismo. Independentemente de qualquer opção partidária, o mote deverá ser o do isolamento das hordas que elevam o nível de intolerância e de confronto irracional desde que a caixa de Pandora foi aberta em 2016.
Obviamente, é preciso construir uma agenda que inclua um conjunto de demandas que nestes cinco anos não foram atendidas pelos mandarins de plantão, hoje coladinhos feito casalzinho de namorados dos anos dourados: o falso democrata golpista com o falso mito igualmente golpista e saudoso da (mal)ditadura. É a hora de atuação e articulação das forças democráticas sinceramente comprometidas com o fortalecimento do Estado de Direito e a restauração das condições de vida com dignidade da população que hoje se encontra em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Seja na Terra do Fogo ou no Pantanal Mato-grossense, nos Andes bolivianos ou na Zona da Mata mineira, a democracia precisa revigorar-se para incluir, acolher, nutrir e dar oportunidade aos sem voz, sem vez e sem condições de vida digna. Portanto, nada como trazer para o mundo real as questões do dia-a-dia da população, da cidadã e do cidadão anônimo, para quem a Vida é uma luta incessante desde o dia em que cuja mãe recebe a notícia de que está gestante e precisa trabalhar dobrado para dar à luz seu rebento e poder prover seu porvir. Para tanto, recordando o atualíssimo e grande Beto Guedes em seu icônico ‘Sal da Terra’, “um mais um é sempre mais que dois”.
É assim como nos parece oportuno dar as boas-vindas a 2022, nas encantadoras palavras do Poeta Mario Quintana: “São os passos que fazem os caminhos…”
*Ahmad Schabib Hany