Parece obra de ficção, fruto da genialidade de dramaturgos como o saudoso Dias Gomes (aquele que imortalizou Odorico Paraguaçu, Zeca Diabo e Irmãs Cajazeiras, de ‘O bem-amado’). Um parlamentar, obscuro e medíocre, para justificar seu projeto de lei que reconhece a condição de colecionadores, atiradores e caçadores (CAC) como de risco, a fim de flexibilizar o uso de armas por proprietários de terras e outros empreendimentos, recorreu a uma demonstração do uso da força, por meio de disparos de pistola em espaço de tiro ao alvo. Detalhe: o alvo estava representado pela foice e o martelo, símbolo do Partido Comunista.
Ao participar da sessão de modo virtual, valeu-se do discurso de seu mito para instigar a violência em pleno ambiente parlamentar, proferindo ameaças e agressões aos membros de movimentos sociais e pessoas que comungam ideias diametralmente opostas às suas. As gerações que conquistaram o Estado Democrático de Direito deram os melhores dias de suas vidas não para que seres destituídos de qualquer compromisso com as liberdades democráticas atentem contra a vida, princípio de direitos, de seus semelhantes, como o indivíduo desprovido de graça e empatia que protagonizou esse sinistro espetáculo.
Em sã consciência, trata-se de uma ofensa à memória de conservadores eruditos, cultos e bastante ilustrados. Entre eles, o memorável Carlos Lacerda, aquele que arrebatava multidões com seus discursos bem elaborados e sua oratória envolvente. Em seu livro de memórias, Lacerda reconhece o erro e narra seu encontro com o Presidente Goulart, no Uruguai, em que se desculpa pelas injúrias. Aliás, o golpe civil-militar de 1964 é mérito seu e, obviamente, da ‘forcinha’ do governo de Lyndon Johnson, que patrocinou diversas manifestações e inúmeras lideranças durante décadas para interromper o processo de crescimento e emancipação do Brasil perante o ‘grande irmão do norte’, que de ‘irmão’ só tem a semelhança com Caim, o filho de Adão e Eva, segundo a tradição monoteísta.
Em tom de provocação leviana, chula, a bravata típica de covardes nazifascistas, que só sabem agir como hienas, em bando, matilhas. No tête-à-tête, frente a frente, amarelam e saem em disparada, como seus antecessores, em 1934, na emblemática batalha da Sé, em São Paulo, mais conhecida como a revoada dos galinhas verdes. Seguidores de Plínio Salgado, da Ação Integralista (uma espécie de braço brasileiro do nazifascismo), eles se concentraram no centro de São Paulo para ‘dar uma lição’ (sic) aos sindicalistas e outros membros da esquerda brasileira, mas diante da coragem dos trabalhadores acabaram se borrando, saindo em disparada, devendo estar correndo até hoje.
Atitude típica de quem não tem domínio da persuasão, do argumento inteligente, para convencer seus pares do Legislativo sul-mato-grossense. Daí porque se deu ao desplante de fazer uma verdadeira apologia ao crime durante uma sessão parlamentar, que atenta contra o convívio civilizado preconizado pelo regimento interno da instituição, a própria Constituição Federal e as regras de urbanidade e boas maneiras. Poucos colegas seus se manifestaram contrários a esse procedimento: o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Corrêa (PSDB); o deputado Paulo Duarte (PSB), ex-prefeito de Corumbá; o deputado Pedro Kemp (PT), terceiro secretário da Assembleia Legislativa, e o deputado Amarildo Cruz (PT).
Fruto do apagão de lucidez pelo qual passou a sociedade em 2018, quando permitiu que uma legião de tonton macoutes (o esquadrão de matadores que serviam à ditadura de François Duvalier, no Haiti) fosse eleita no rastro da imbecilidade e do negacionismo de quem, incentivando a violência e propalando o ódio, fez de sua campanha uma ode à desrazão e ao desvario. Hoje, todos eles, despreparados para o exercício do poder à luz da democracia plena e desesperados para continuar a desfrutar das benesses do poder, recorrem às agressões verbais e ameaças de morte, na ânsia de intimidar e posar de algo que não são, covardes e nefastos que são na essência.
Mas podem começar a esvaziar as gavetas e se despedir das mordomias, que seus dias de glamour estão contados. Porque quem semeia vento colhe tempestade. E não adianta se passar por corajosos, que seu passado os condena: não há fascista corajoso, todos, sem exceção, não passam de galinhas verdes, como seus antecessores da Praça da Sé da década de 1930. E, a despeito de suas ilusões, o lixo da história está pronto para levá-los de volta ao lugar de onde jamais deveriam ter saído depois que o Tribunal de Nuremberg lhes deu a sentença histórica pelos crimes cometidos contra a humanidade. Crimes, aliás, que jamais serão esquecidos pelos requintes de crueldade com que foram feitos, sem qualquer razão que os justificasse.
*Ahmad Schabib Hany