Homenagem merecida

Augusto César Proença merece esse reconhecimento, e sua obra precisa ser difundida no meio literário, juvenil e, sobretudo, escolar. Trata-se de um autor de profunda percepção social, originalidade inquestionável e, sobretudo, elegância textual.

A oportuna homenagem ao escritor, memorialista, pesquisador, roteirista e ativista cultural Augusto César Proença é uma das grandes conquistas do Festival América do Sul, que desde 2004 vem sendo realizado em Corumbá pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. É autor de obras emblemáticas como o premiado Snack BarPantanal: Gente, tradição e históriaCorumbá de todas as graças e o conto Atrás daquela poeira não vem mais seu pai, premiado num certame mundial da Rádio França Internacional e depois transformado em curta, experiência que o levou a experimentar o sucesso como roteirista na produção cinematográfica, ao lado de cineastas de renome nacional.

O escritor, além da humildade e discrição peculiares, é a personificação do literato clássico, fruto do cosmopolitismo que foi construindo desde tenra idade, sempre ao lado de personalidades singulares, como Manoel Cavalcanti Proença (crítico literário cuiabano de renome internacional, que assinava M. Cavalcanti Proença), Clio Proença (poeta, compositor, cronista e professor) e o Doutor Celso Fernando de Barros (intelectual de rara sensibilidade social, extraordinário conhecimento jurídico e discrição incomum, que entrou para a história da democracia brasileira como o Procurador de Justiça que em 1982 impediu uma tentativa de fraude eleitoral no Rio de Janeiro, no caso Proconsult, em que a Rede Globo estava envolvida).

Durante a efêmera existência da Sociedade dos Amigos da Cultura, de cuja diretoria foi vice-presidente, participou anonimamente da realização da Primeira Semana da Cultura, movimento pioneiro pela revitalização da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (ILA), em 1991, dispondo-se, aos 60 anos, a levar em bicicleta emprestada de um estudante a arte elaborada pelo genial artista plástico Rubén Darío Román Áñez para ser confeccionada graciosamente pela Seritex, do querido e saudoso Augusto Alexandrino dos Santos, o Malah. Foi por meio dele que conhecemos pessoas de rara generosidade, entre eles o incansável Amigo Armando Lacerda, que como assessor do saudoso Prefeito Fadah Scaff Gattass ofereceu o apoio logístico e operacional para o movimento, que durou uma semana, e a divulgação impecável, realizada pelos saudosos Jornalistas Farid Yunes Solomini, então Secretário de Comunicação, e Armando Amorim Anache, do Sistema Globo de Rádio.

Foi o ano em que Proença retornou a Corumbá, depois de décadas de peregrinação em diversas metrópoles, como Nova York e Rio de Janeiro, onde na década de 1970 fez uma discreta colaboração em O Pasquim, semanário satírico que entrou para a história não só do Jornalismo como da luta pela democratização do Brasil. Humilde e discreto, enquanto concluía seu emblemático Pantanal: Gente, tradição e história, ele se engajou em movimentos como a Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida (campanha contra a fome, inspirada pelo sociólogo Betinho em 1992) e o Pacto pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), em que colaboraram ao lado do querido Professor Valmir Batista Corrêa os saudosos Padre Pasquale Forin e Dom José Alves da Costa, respectivamente vigário-geral da Diocese e Bispo Diocesano de Corumbá.

No processo de negociação do Programa BID Pantanal, em fins dos anos 1990, Proença deu sua importante contribuição na área da cultura e do patrimônio histórico, quando o saudoso Professor Carlos Henrique Patusco, representando o Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN), fundado pelo saudoso Doutor Salomão Baruki, também deu um generoso aporte ao projeto de monitoramento daquele programa de desenvolvimento sustentável do Pantanal financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Lamentável e tragicamente, forças reacionárias em nível regional e nacional conspiraram contra a sua implantação entre 2002 e 2007.

Em 1999, foi nomeado gestor da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, antecessor da querida e saudosa Heloísa Helena da Costa Urt, a eterna e terna Helô, em que o popular ILA se tornou um centro dinâmico das artes e da cultura, retomando seu papel histórico, projetado pelo saudoso Doutor Lécio Gomes de Souza e o apoio do então secretário de Estado de Educação e Cultura de Mato Grosso, Doutor Salomão Baruki, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, o saudoso Governador Cássio Leite de Barros, que nas gratas palavras do Senhor Jorge José Katurchi, foi o mais corumbaense de todos os governadores do estado.

Um dos fundadores da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA Pantanal), formada por remanescentes da Ação da Cidadania, Proença colaborou com a elaboração de projetos culturais no primeiro certame seletivo do Fundo de Investimento Cultural de Mato Grosso do Sul, ao lado da artista plástica Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, e do brilhante compositor Sandro Nemir. Com Seu Jorge Katurchi, Antônio Vítor Lima Batista e os saudosos Doutor Salomão Baruki, Senhor João Luiz Gonçalves Miguéis, Seu José Batista de Pontes, Doutor Lamartine Costa e Ruiter Cunha de Oliveira, ajudou na fundação do Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), tendo sido um dos membros de sua Comissão Organizadora, escolhida a dedo pelo saudoso Padre Ernesto Sassida.

Nesse período Augusto César Proença elaborou o projeto de pesquisa para a implantação da Sala da Memória da Cidade Dom Bosco e escreveu o livro Corumbá de todas as graças, em que faz singular resgate do drama social do coração do Pantanal e da América do Sul e a iniciativa oportuna do Padre Ernesto, um projeto interdisciplinar em que une educação, cultura, esportes, assistência social, saúde e, sobretudo, cidadania com amor e inclusão plena. Como se vê, um grande talento literário com profundo engajamento social que desde jovem esteve preocupado com a desigualdade social de sua terra natal, o que o levou a procurar novos horizontes em sua juventude.

Saudamos, portanto, a nobre iniciativa dos organizadores da décima sexta edição do Festival América do Sul de homenagear oportunamente, ao lado dos imortais Lobivar de Mattos e Lídia Baís, o incansável Augusto César Proença, cuja obra de elevado caráter literário precisa ser conhecida por todo o público, sobretudo a juventude, estudantes e conterrâneos sul-mato-grossenses e mato-grossenses. Mais que mero reconhecimento oportuno, trata-se da valorização de um cidadão à frente de seu tempo que uniu sua genialidade singular à discreta atuação cidadã em favor de amplas parcelas da população. Um exemplo vivo e vívido de literato cosmopolita nestes tempos sombrios em que o provincianismo e o individualismo roem as bases dos valores mais caros da humanidade. Uma honra para nós, seus contemporâneos, um relicário para as futuras gerações.

*Ahmad Schabib Hany

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