Idos de 1962, numa fila de visitas em um hospital de Corumbá um colega de infância diz surpreso:
-Oi, casou, teve filhos? A resposta foi vazia: – nenhum.
Ele respondeu – ah! mulher que não tem filhos, não presta para mim!
Uma Irmã que acompanhava-me, percebeu o mal-estar e disse: – Que é isso, não se fala assim para as pessoas!
A fila andou e cada um foi ver os seus entes queridos
Aquela afirmação ficou martelando na cabeça (mulher que não tem filhos não presta pra mim)
Visitei minha mãe e fui para casa, no caminho, continuou na minha mente “A FRASE”
Cheguei em casa sentei na cama que ficava num quarto que dada os fundos para o quintal. Chorei.
Chorei amargamente!
De repente saem três crianças eram as filhas de uma prima e se puseram a brincar de baixo do pé de água pomba. Arvore frondosa que ficava perto da cozinha E era ali que a gente sentava para descansar depois do almoço, em dias quentes
De repente uma voz interior me chamou a atenção e disse
-Porque choras? Parei de chorar e fiquei olhando as crianças brincando na sombra daquela arvore.
A voz continuou:
-Vê aquelas crianças brincarem na sombra daquela árvore
Esta arvore nunca deu frutos, mas vê a sombra que ela oferece?
Então seja você também uma arvore frondosa.
Pensei, pensei, e disse… – é! Porque ao invés de chorar serei igual a esta arvore
Foi o que fiz!
Pois o que cuidei dos meus irmãos, sobrinhos, afilhados ou quem simplesmente quis sentir o calor de meu abraço. Não foi brincadeira!
Cuidei mesmo, com todo meu coração e dedicação. E cuidarei sempre que puder e minhas mãos conseguirem segurar e meus passos conseguirem movimentar
E graças a Deus…nas andanças da vida, encontrei um pé de jequitibá
Arvore forte e robusta. E assim formamos juntos um caminho de sombra na qual muitos se agasalharam.
Um dia recebi uma carta de uma de minhas sobrinhas, a Cleuza, eu havia lhe enviado um presente de aniversário e ela respondera.
– Tia porque me escreveu tão triste?
Não fique assim pra mim sua pessoa representa uma arvore frondosa a nos agasalhar a sobra de seus galhos. Fiquei alegre por ela sem saber, ter dito uma frase tão minha! Nunca contei a ela a história da frase que o amigo de infância havia me dito.
E ela não sabia que desde o mês de abril de 1962 eu me propus a ser uma arvore frondosa. Este dia me doeu o coração, mas ao ver as crianças brincando ao pé de “água pomba” que mesmo sem dar frutos… PRESTAVA
Hoje tenho saudades dela pois ela sem dar frutos me ajudou a ser o que sou. Numa ocasião em 2003 encontrei o antigo amigo de infância, já de cabelos brancos, Ele estava sentado num banquinho a porta de sua casa em Corumbá e reparei que bem à frente de sua casa existia uma bela árvore.
– Perguntei…mora aí?
– Cadê os filhos? Netos? Ele respondeu casaram e foram embora hoje vivo só!
– Eu disse ainda bem que você tem essa arvore em frente à sua casa pra te livrar do calor e deste sol. – Ele disse: – sim isso mesmo. Certamente, ele já nem se lembrava do que havia me dito. Pensei:
Hoje ele está só e desalentado. Pergunto-me: será que valeu a pena ter filhos?
Sei que não conseguiria responder, com total certeza, entretanto, apenas entendo que em 2022, em pleno mês que antecede o aniversário da cidade cujo solo sentiu minhas lágrimas e meu suor caindo em seu solo, agradeço a Deus por uma vida tão longa e afirmo com todas as letras que sou feliz por ter sido tal qual uma árvore frondosa. E é nesse solo que deitarei meu corpo para o descanso eterno.
Não contarei a idade que tenho, mas podem presumir A natureza sempre ensina. E deixou uma lição. Árvore não deixou frutos mas deu muita sombra e a certeza de que se olharmos com um pouco mais de atenção, tudo “presta”! Tudo tem a sua utilidade e seu real valor (a quem sabe apreciar). E que todos têm uma razão de sua tristeza. Que tal observar mais a beleza da vida. Apreciar a verdadeira sombra, a que refrigera por dentro. E quanta gente precisa dela, talvez hoje muito mais do que antes, e o amanhã só vai chegar se soubermos cultivá-lo.
*Extraído do Livro “Poemas a Flor da Pele” – Edição especial XV anos / Editora Somar lançado na Feira do Livro de Lisboa/Portugal em 2021.
As Histórias de “Tia Santa”…lindo artigo do articulista Rosildo Barcellos.
Como sempre o escritor consegue mexer com nossas emoções.