Quase dez anos após perder o olho esquerdo ao ser alvejado por bala de borracha pela Polícia Militar de São Paulo enquanto acompanhava a trabalho uma manifestação, o fotógrafo Sergio Andrade da Silva tem nova chance no julgamento de seu pedido de indenização contra o Estado. O caso voltará a ser julgado nesta quarta-feira (29/03), na segunda instância do Judiciário paulista. O Tribunal de Justiça de São Paulo vai analisar novamente a solicitação do fotógrafo por causa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
Sérgio Silva teve o pedido negado em primeira e segunda instâncias, mas em 2021 o STF apontou responsabilidade do Estado em caso idêntico de outro fotógrafo, que perdera 85% da visão de um olho durante a cobertura da greve dos professores de São Paulo no ano 2000. Por causa desta decisão do STF, em processo cujo relator para o acórdão foi o ministro Alexandre de Moraes, haverá o novo julgamento da 9ª Câmara de Direito Público do TJ paulista, a partir das 10h da próxima quarta-feira.
O caso ganhou notoriedade nos meios judiciários por uma sentença polêmica do juiz Olavo Zampol Júnior, em 2016, atribuindo à vítima, o fotógrafo, a responsabilidade por ter se ferido. Ele teria, segundo o juiz, se colocado “em situação de risco” porque se posicionou entre os policiais e os manifestantes para registrar a manifestação. Criticou a conduta, registrando que “alguns jornalistas buscam dar visibilidade de sua condição em meio ao confronto ostentando coletes com designação disso, e mais recentemente, coletes a prova de bala e capacetes”. Na ocasião, 13 de junho de 2013, 15 jornalistas ficaram feridos.
A Anistia Internacional cobrou publicamente a reparação a Sérgio Silva por parte do Estado. Já no processo, as duas instâncias judiciais não acataram o pedido. A esperança das entidades em defesa da liberdade de imprensa se renova com o novo julgamento do TJ-SP, porque, no acórdão do STF referente ao caso de Alex Silveira, atingido em 2000, a Corte deixou claro que sua decisão deve valer para ações similares.
Sérgio Silva também levou seu caso até o STF. Lá, o Ministro Alexandre de Moraes, que também fora relator para o Acórdão no caso de Alex Silveira, decidiu que o caso era análogo e que a decisão tomada no caso de Alex Silveira serviria para o caso de Sérgio Silva. Por isso, o processo de Silva ficou suspenso até o julgamento do caso de Silveira. Agora a turma julgadora do TJ-SP precisa aplicar o paradigma do STF no caso de Sérgio Silva. Em 2013, Sérgio pediu indenização de R$ 1,2 milhão, pensão mensal e reembolso das despesas médicas.
Na decisão de 2021, os ministros do Supremo criticaram a posição do TJ-SP, que também havia “culpado” o fotógrafo Alex Silveira por se colocar em situação de risco. A ministra Cármen Lúcia qualificou como “quase bizarro” culpar o fotógrafo por ter levado o tiro. O então ministro Marco Aurélio acrescentou que o TJ-SP “violou o direito ao exercício profissional”, e que, ao atribuir ao fotógrafo a responsabilidade pelo dano, “endossou ação desproporcional das forças de segurança durante eventos populares”.
Luís Roberto Barroso ressaltou que, pelo fato de a cobertura de uma manifestação ser de interesse público, é dever do Estado proteger os profissionais de imprensa. “O jornalista não estava lá correndo o risco em nome próprio, ele estava lá correndo o risco pelo interesse público. E todos nós temos o interesse de saber o que está acontecendo em uma manifestação”, disse.
Alexandre de Moraes, relator, classificou como cerceamento à liberdade de imprensa a exigência aos jornalistas para que abandonem a cobertura de protestos. Maior do que o risco que o fotógrafo assumiu ao cobrir a manifestação, segundo Moraes, seria “o Poder Judiciário entender que a cobertura jornalística não tem nenhuma proteção”.
Os advogados Maurício Vasques e Lucas Andreucci, que defendem Sérgio Andrade da Silva no processo, disseram que é uma oportunidade do TJ-SP de responder às críticas do STF e da sociedade. “Há diversas provas do uso excessivo da força policial na noite de 13 de junho de 2013. Para se ter uma ideia, somente o batalhão que atuou no local em que Sérgio Silva foi atingido, oficialmente disparou 178 projéteis de borracha, além de centenas de bombas de efeito moral.”.
Para os advogados, o caso é emblemático na luta pela liberdade de imprensa e por ações mais responsáveis e equilibradas das polícias ao lidar com manifestações de rua. “O próprio STF deu o caminho para o Tribunal de Justiça rever a decisão de 2017. Antes, o profissional de imprensa precisava provar que não se colocou em risco. Agora, é o Estado quem tem que provar ter buscado salvaguardar a integridade de fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas que realizam a cobertura de imprensa. E as imagens do dia e a quantidade de munição utilizada, bem como o fato de nenhum policial daquele batalhão ter se ferido, mostram que a letalidade veio de um lado só”, declararam os advogados.