O papel da nutrição na promoção da saúde e na prevenção de doenças está diretamente ligado à cultura do indivíduo e das coletividades, pois abrange alterações nas rotinas e costumes, o que torna o processo longo e complexo. Por isso, é sempre importante estarmos atentos às orientações e posicionamentos de profissionais que se baseiam em evidências científicas sobre o tema.
Para a nutricionista Dulce Ribas, do Conselho Regional de Nutricionistas 3ª Região (CRN-3), “Mudanças que atingem o caráter sociocultural de forma impactante e repentina certamente terão sua implementação dificultada, pois sofrerão resistência por parte da população”. A profissional explica que alterar hábitos prejudiciais à saúde é um processo que requer tempo e orientação cognitiva. Para isso, o diálogo e a interlocução entre o saber científico e o saber popular são indispensáveis à promoção da saúde, e devem moldar as estratégias de promoção de práticas alimentares saudáveis, como o estímulo ao consumo de frutas, legumes e verduras.
“Aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras tem sido um dos grandes desafios para a saúde coletiva. Evidências científicas demonstram que o consumo de frutas, legumes e verduras é altamente recomendado na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis“, revela Dulce, doutora em Saúde Coletiva.
Nesse sentido, a educação alimentar e nutricional está envolvida em um movimento de ação-reflexão-ação, podendo contribuir como uma importante ferramenta na aquisição de conhecimentos sobre alimentos, entendimento sobre diferentes comportamentos alimentares, acesso a alimentos saudáveis, tipo de escolhas, preparo de alimentos, necessidades de nutrientes, dentre outras. Dulce reforça: “Assim sendo, a educação alimentar e nutricional tem o desafio de aproximar-se das dimensões relacionadas com a vida humana, tais como, biológicas, econômicas, culturais, ecológicas etc“.
De acordo com a nutricionista, a informação por si só não é suficiente para mudar práticas e hábitos alimentares: “Somente quando as pessoas dão sentido às informações disponíveis, ela (a informação) se transforma em conhecimento e poderá motivar e levar a escolhas e práticas saudáveis em alimentação“.
Dulce afirma que “nenhuma ação isolada é suficiente para garantir, de forma duradoura, práticas alimentares saudáveis de pessoas e populações“, pois é preciso “um conjunto de ações complementares e sinérgicas que aconteçam e respondam ao leque de fatores que determinam e caracterizam a questão alimentar da atualidade“.
A nutricionista argumenta que muitos fatores desencadeiam comportamentos de consumo alimentar distantes do que entendemos como uma alimentação saudável e adequada às circunstâncias socioeconômicas, culturais e ambientais em que vivem as pessoas.
“Quando trabalhamos com a educação alimentar e nutricional, não podemos esquecer que, além dos determinantes biológicos, múltiplos fatores determinam as escolhas, a forma de preparo e a ingestão de alimentos“, complementa.
De acordo com as orientações científicas e culturais apresentadas por Dulce, podemos e devemos incentivar as pessoas a adotarem uma alimentação saudável, mas tendo em mente que ela irá acontecer em situações concretas do cotidiano, permeadas de diversos estímulos e influências. E esse processo leva tempo, novos cenários, novos valores a serem incorporados no dia a dia.
“Incentivar as pessoas a adotarem uma alimentação saudável exige planejamento, estratégias e avaliações, como: conhecer o público-alvo, analisar o contexto envolvido, definir e priorizar o que será comunicado, escolher o momento e o local mais adequado, eleger os meios de entrega das mensagens mais condizentes com a realidade, elaborar a mensagem a ser desenvolvida, aplicar e avaliar“, explica Dulce.
A nutricionista ainda afirma que o papel do educador é “mediar o processo”, através de ações motivacionais significativas para o público-alvo, para que ocorra a “internalização do novo, das escolhas conscientes e da busca do equilíbrio“.
Dulce complementa: “Em nossa sociedade, existem grupos populacionais com realidades e ritmo de vida singulares, e que muitas vezes são esquecidos das ações de educação alimentar e nutricional, tais como: motoristas, zeladores, porteiros, seguranças, garis, feirantes, comissários de bordo, jornalistas, enfim, pessoas com rotinas e horários diferentes dos demais, e que necessitam de atenção e estímulos para adoção de práticas de vida mais saudáveis“.
A partir dos estudos de Dulce, ainda percebemos que é importante refletir também sobre os meios e locais que poderiam ser explorados para a comunicação sobre práticas alimentares mais saudáveis, como exposições, pontos de ônibus, cinemas, metrô, bares, novelas e outros. “Muitas ações de promoção de práticas alimentares saudáveis vêm sendo desenvolvidas, mas há muito ainda a ser feito“, revela a nutricionista.
Para finalizar, Dulce cita outra colega da área: “A nutricionista e professora Maria Cristina Faber Boog diz que a ‘educação alimentar e nutricional não é uma disciplina fácil e nem uma tarefa simples. Sua complexidade exige profunda compreensão dos conhecimentos das pequenas e grandes tarefas da vida cotidiana, relacionadas com a alimentação, e a convicção de que por intermédio de educação de boa qualidade é possível reduzir o sofrimento humano com doenças, o gasto público com o tratamento delas, e melhorar a qualidade de vida do homem por intermédio da promoção de sua saúde (Boog MCF, 2011).