Começou no meu segundo pós-parto. Uma vontade enorme de transformar os sentimentos em palavras. Escrever. Já tinha passado por algumas tempestades desde que a maternidade cruzou o meu caminho. Estava doente. E precisava remover aquela água parada dentro de mim.
Decidi tirar um período sabático de dois anos para ficar em casa com os meus filhos e cuidar da saúde. Então, voltei a escrever. Não do jeito que estava acostumada desde que comecei a trabalhar nas redações de jornalismo. Minha vontade era resgatar a menina que escrevia histórias sobre princesas guerreiras. A adolescente que criava poesias. A jovem que transformava as descobertas da vida adulta em contos. Uma escrita só minha, sabe? Dessa vez, sobre a maternidade. Com questões que não eram só minhas. Eram de outras mulheres também.
Criei um diário virtual para contar a minha experiência de “mãe em tempo integral”. Logo descobri que pôr as minhas palavras nas nuvens me ajudava a colocar os pés no chão. Sim, morria de medo de me expor. Escrever e postar um texto num blog ou numa rede social é como tirar a roupa em público. Mas a gente expõe muito mais do que o corpo. Expõe a alma. Com todas as fraquezas e imperfeições. Só que também partilhamos ideias. Inspiramos as pessoas.
Fui com medo mesmo. Me joguei na internet. Ri e chorei com os meus textos. E também fiz muita gente rir e chorar. Lavei com as minhas lágrimas todas aquelas palavras que ganharam as nuvens. E seguiram seu próprio rumo.
As palavras têm um enorme poder. Escrever nos ajuda a colocar os pensamentos em ordem. A entender as emoções. A externar sentimentos que, muitas vezes, não percebemos. Escrever sobre a MÃE me ajudou a entender a MULHER na qual me transformei.
A compreensão de quem sou hoje só veio com a escrita terapêutica que comecei a praticar no sabático. Escrever foi a virada de chave para a minha cura. É claro que poderia ter feito só um diário. Não precisava divulgar meus “mãenuscritos”, como chamo os meus escritos de mãe. Só que me sentia isolada. Estava em casa com os meus filhos. E tinha vontade de dividir as minhas reflexões com outras mulheres. Elas tornaram-se a minha rede de apoio virtual.
Passei também a fazer parte de um coletivo de mães escritoras, o portal “Mães que escrevem”. Lá, tinha uma coluna mensal sobre “autocuidado para mães”. Pude conhecer mulheres-mães de várias classes sociais e raças diferentes. Cada uma delas, narrava as dificuldades de maternar. Desabafamos juntas. Conversamos. Trocamos textos e informações. Nos unimos no amor pela maternidade e pela escrita. Tudo isso foi importante demais para mim.
E só aconteceu por causa da escrita. Escrever cura. Lava a alma. Eu posso afirmar: escrever me salvou. Até hoje as palavras me resgatam de mim mesma. Todos os dias. Por isso, sempre aconselho minhas amigas a escreverem. Para começar, pode ser um diário. Ou uma página no Instagram. Um blog. Não importa. Escrever resgata nossa autoestima. Nosso valor.
Tem uma fala muito boa sobre isso da personagem Alex, da maravilhosa série “Maid”, do Netflix. A história de uma mãe solo que se virou em mil para recomeçar ao lado da filha: “Ninguém pode tirar a nossa escrita. Ninguém pode dizer que não temos valor ou nossas palavras não têm valor. Por que elas têm. Nós temos valor e nossas palavras têm valor. Porque são nossas.”
*Luciane Rodrigues é jornalista e escritora. Trabalhou por duas décadas em emissoras de TV brasileiras, como Rede TV!, Band e Record TV. Maternidade com autoamor: práticas de autocuidado para mães exaustas (Editora Labrador, 112 pág.), seu novo livro, dá luz às questões sociais da maternidade após cinco anos de pesquisa e escrita sobre o tema. Na obra, Luciane narra as passagens mais íntimas da sua vida: um aborto espontâneo, a morte da sua mãe, o nascimento dos dois filhos, o sentimento de abandono no puerpério, suas pesquisas sobre feminismo e maternidade e a importância da escrita durante todos esses acontecimentos. A obra tem prefácio assinado por Ana Holanda.