Número de atendimentos para surtos psicóticos quase dobra em cinco anos no Brasil

Caracterizados por alucinações e agressividade, surtos estiveram presentes em ao menos três crimes de grande repercussão no país

Em Santa Catarina, uma jovem de 22 anos esfaqueou a própria irmã, Soraia Lia Schmidt, de 4, enquanto dormia. No Distrito Federal, o delegado Mikhail Rocha, de 46 anos, atirou na esposa e em mais duas mulheres. Em Goiás, um homem foi morto dentro da UTI de um hospital após fazer uma técnica em enfermeira como refém com um pedaço de vidro.

Número de atendimentos para surtos psicóticos quase dobra em cinco anos no Brasil

Número de atendimentos ambulatoriais de surto psicótico aumenta no Brasil (Foto: Reprodução)

O que todos esses casos têm em comum?

Os envolvidos estavam em surto psicótico. Pela definição da psiquiatra e diretora técnica do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) do Paraná, Emanuella Lacerda, surto é a denominação popular do que tecnicamente caracteriza-se como uma crise na alteração de comportamento e pensamento.

“Durante um surto psicótico o paciente pode apresentar alucinações, delírios, ansiedade, agressividade, pensamento ou comportamento desorganizado e, geralmente, a pessoa apresenta um discurso confuso, incoerente, narrando uma história que não existe, alterando pensamento e comportamento”, explica.

No Brasil, o número de atendimentos ambulatoriais de pacientes em surto psicótico número quase dobrou de 2020 até 2024: de pouco mais de 5 milhões para um número superior a 9 milhões, segundo dados do Ministério da Saúde.

A solicitação se baseou em quatro nomenclaturas do Código Internacional de Doenças (CID), dentre as quais apresentam sintomas descritos por Emanuella: Transtornos Psicóticos agudos e transitórios; Psicose não-orgânica não especificada; Transtorno afetivo bipolar; Episódio maníaco com sintomas psicóticos; Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos.

De acordo com a especialista, um surto psicótico pode acometer qualquer indivíduo. As causas são diversas: traumas, experiências de vida, questões orgânicas e psíquicas. Mas, na maioria dos casos, é causado por doenças psiquiátricas, em especial os transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, como também depressão em sua forma mais grave, transtorno bipolar, transtornos ansiosos, além de possíveis danos neurológicos, vindos de lesão ou trauma.

“O abuso de substâncias químicas e a dependência causam alterações cerebrais e também podem desencadear um surto psicótico, pois acontecem alterações cerebrais de diversos neurotransmissores que podem acelerar o processo de desequilíbrio emocional”, afirma a especialista.

O que pode estar por trás do aumento?

Para o psiquiatra Bruno Brandão, a principal causa de um surto psicótico é o uso de álcool e drogas. Ele acredita que o número no Brasil tenha relação com o aumento do consumo pelos brasileiros.

“Para prevenir, as recomendações são não utilizar ou reduzir o consumo das substâncias, fazer atividade física, manter uma boa qualidade do sono e gerenciar o estresse. Mas ninguém está isento, uma vez que a esquizofrenia, por exemplo, tem um forte componente genético”, ressalta.

O último relatório Vigitel, divulgado pelo Ministério da Saúde em 2023, aponta que houve um aumento de 18,4% para 20,8% entre 2021 e 2023 no consumo abusivo de álcool na população geral brasileira.

“Acho que enlouquecerei se não conseguir algo para me acalmar”, assim canta Ozzy Osborne, na música “Paranoid” (Paranoia, na tradução livre), sucesso dos anos 1970 da banda Black Sabbath. Esse “algo”, segundo Bruno, é a medicação, ainda que não de forma definida.

“Se a pessoa está falando que vai matar alguém, andando pelada na rua, precisa de internação. Se não, é possível tratar em nível ambulatorial, vai depender da causa”, explicou.

O que fazer em caso de surto?

Ao identificar sintomas de surto e, principalmente se eles trazem riscos para a própria pessoa e para terceiros, a psiquiatra reforça que é necessário uma avaliação médica imediata e, em alguns casos, internação hospitalar.

Ela explica que, se alguém estiver diante de um paciente em crise psicótica, o ideal é encaminhar com urgência para avaliação do médico psiquiatra para orientar o tratamento adequado e o manejo ideal dos sintomas, uma vez que isso evitará a evolução da doença e criação de novas situações de risco.

Onde procurar ajuda?

O Brasil conta com 3.019 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades de saúde pública que atendem pessoas com transtornos mentais graves e não precisam de agendamento prévio.

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