Campo Grande (MS) – Aconteceu na manhã desta terça-feira (19) na sede do Circo do Mato Grupo de Artes Cênicas o segundo dia do III Seminário Estadual de Teatro com o tema “Teatro para infância: formação, estética e fomento”. O Seminário faz parte da Boca de Cena – Mostra Sul-Mato-Grossense de Teatro e Circo 2016, que foi aberta na noite de ontem e apresenta espetáculos gratuitos de teatro, circo, oficinas e seminário com temática relacionada às artes cênicas.
Representantes do grupo La Casa Incierta, Grupo Teatral Unicórnio, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Secretarias Estadual e Municipal de Educação, Associação Sul-Mato-Grossense de Arte Educadores (Asmae), Associação campo-grandense de Professores (ACP), Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande e Secretaria de Estado de Cultura, Turismo, Empreendedorismo e Inovação (Sectei) participaram do Seminário na manhã de hoje com o objetivo de discutir o teatro para a infância.
Depois de uma breve apresentação dos presentes, os trabalhos foram iniciados com a palavra da crítica teatral Daniele Avila Small, que foi contactada pela Sectei para elaborar a crítica da Boca de Cena. Daniela disse que a crítica teatral pode ter vários papéis dependendo do contexto em que atua. “Venho do Rio de Janeiro, comecei a me envolver com teatro e o interesse pela crítica veio muito tempo depois de me formar em Teoria do Teatro. É uma ponte com o debate público. A crítica não é para falar para o teatro, a crítica vem do próprio teatro. É muito importante que cada comunidade tenha ações de fomento à crítica”.
Daniele participa de uma crítica de teatro que trabalha em rede, fazendo intercâmbio entre críticos para olhar o teatro brasileiro. Ela entende a crítica como parte do debate público, para estimular a elaboração verbal e escrita sobre o que se pensa sobre o que se vê. “Vim mais para escutar que para falar. É muito importante ouvir os artistas, as propostas. A crítica é a mediação, estabelece um vínculo com aquele espetáculo e os espectadores. Olhar para o trabalho do outro, falar um sobre o outro, o papel da crítica é estimular isso”.
Ela disse que a cultura e a educação tentam caminhar juntas nesta Boca de Cena – Mostra Sul-Mato-Grossense de Teatro e Circo. “O pensamento crítico sobre teatro pode ajudar a construir uma língua comum [entre a cultura e a educação] para que as pessoas possam compreender o que é o teatro. Crítica é a favor do teatro contra os paradigmas que vêm de fora. Temos que pensar a quem a crítica está endereçada. No caso do teatro infantil, aos atores, aos pais das crianças. Vejo uma interrogação imensa ao falar sobre isso, envolver as crianças na crítica. Seria interessante demais pensar numa crítica que envolva a criança”.
Clarice Cardel, atriz do Grupo La Casa Incierta, afirma que quem leva a criança ao teatro é o adulto e que existe um preconceito da crítica com relação ao teatro infantil. “A crítica não se interessa pelo teatro infantil. A minha companhia recebeu crítica somente na França. Um bom espetáculo teatral é feito para um triângulo que envolve a criança, o adulto e o artista. Como eu trabalho com crianças de zero a três anos, ou seja, bebês, é muito simples medir a recepção deste público. Se não rolar, o público vai embora. O bebê chora, engatinha, esperneia, dorme. Estou há 15 anos no palco fazendo espetáculo para bebês, estou acostumada com essa clareza na resposta deles”.
Daniele diz pensar na crítica “para quem já foi, já viu; interessa a crítica depois, falar do espetáculo depois. Eu tive pouquíssima oportunidade de escrever sobre teatro infantil. Penso que a repercussão de uma peça não pode ser delegada para a crítica. O artista tem que saber escrever sobre sua atuação. Pouquíssimas cidades do Brasil têm temporadas para perceber o boca a boca, se o espectador participa na divulgação”.
O diretor teatral Jair de Oliveira, do Grupo Unicórnio, afirmou que hoje escreve-se menos sobre o teatro para crianças. “Para os pais saberem o que está sendo levado, eles precisam dessa crítica. Sinto falta de se escrever mais sobre o teatro infantil. Ainda tem o preconceito de o teatro infantil ser menos importante [que o o para adultos]”.
A atriz Alessandra Tavares, de Amambai, trabalha na Secretaria de Educação daquele município e ministra oficinas de teatro para professores nas escolas. Ela diz que o público infantil é subestimado. “Em Amambai, colocavam as crianças sentadas para assistir um teatrinho nas escolas. Quando o artista esquecia o texto, ele pegava o papel para ler. Era neste momento que as crianças riam. Colocaram as crianças lá, como se qualquer coisa servisse. Aí eu pergunto: cadê a arte?”
Foi feito um breve intervalo com coffee break e as atividades da manhã foram reiniciadas com uma breve apresentação de trapézio e malabarismo dos artistas Anthony e Adler Orteney, da Escola de Artes Orteney, de Bataiporã. O diretor Jair de Oliveira retomou a palavra dizendo que é necessário compreender as coisas para ter opinião sobre elas. O que é a criança e o que se faz em teatro para crianças. “O Grupo Unicórnio sempre trabalhou de forma que um espetáculo pagava o outro. Nunca dependemos de fundos culturais. O grupo não trabalha com espetáculos temáticos. Em janeiro fizemos uma temporada no Marco [Museu de Arte Contemporânea]. Deu para fazer o boca a boca, desde o primeiro dia começou a faltar ingresso. Depois fiz de novo o projeto nas escolas. A gente sente a falta de circulação dos espetáculos e disponibilidade dos espaços públicos. Que tenha todo fim de semana um espetáculo para crianças”.
Wilcelene Pessoa Machado, do Grupo de Educação Infantil da Secretaria de Estado de Educação, participou do debate discutindo o papel da criança na sociedade. Ela disse que luta pela educação infantil hoje, em que a criança é invisível para a sociedade. “Estamos lutando para mudar isso, mudar a configuração da escola, deixar a criança à vontade para criar, intervir, participar. A gente luta para que essa mudança na educação seja no nível criativo. Estou feliz de participar, de poder ampliar os conhecimentos e propiciar o diálogo. Queremos que essas crianças sejam visíveis na sociedade como seres participativos”.
Clarice Cardel fez nova intervenção dizendo estar muito feliz de participar do seminário. “Dialogando com vocês, vejo o entendimento da educação infantil como o marco transformador do ser humano, a importância do que acontece na formação do ser humano nos primeiros cinco anos de idade, a importância da cultura nesse olhar. Esse encontro acontece com a educação e não tem como ser diferente. O Educador deve ter uma experiência estética. Os artistas em formação dificilmente têm contato com crianças. O mundo da Pedagogia tem que dialogar com o mundo das artes. É fundamental a presença do Estado, a parceria com a Secretaria de Educação para levar os artistas para as creches, para as escolas”.
José Parente, professor de Artes Cênicas da Universidade Federal da Grande Dourados, falou que o teatro na academia segue uma tendência de priorizar o teatro para adultos. “Temos apenas uma disciplina chamada ‘Teatro para Crianças’. É uma coisa para ser construída, não é fácil, não é para agora, temos que pensar numa mudança a médio prazo. É essencial o docente ser artista. Estamos tentando trabalhar isso na licenciatura. Temos que desconstruir uma série de discursos, mas estamos tentando”.
Ao final dos trabalhos foi aberta a participação aos presentes para dirigirem perguntas a quem desejassem. Amanhã pela manhã continuam as discussões do seminário, com o tema “Colegiado Estadual de Teatro: organização de classe e apontamentos. Depois, será redigida uma carta com apontamentos para ser enviada aos órgãos e instituições que participaram dos debates do III Seminário Estadual de Teatro.