Campo Grande (MS) – Em posse das escrituras de suas terras, 172 famílias agrícolas já planejam, agora, os cultivos que farão em suas chácaras. Entre as culturas escolhidas, o destaque é a erva-mate, utilizada tradicionalmente para a produção de chimarrão, mate, tereré (bebida típica sul-mato-grossense) e chás. Planta essa que é considerada pelos impactos altamente positivos de manejo, o que pode contribuir na geração de emprego e renda para as pequenas propriedades da região, além de ser uma boa alternativa ambiental, já que seu cultivo não exige o uso de agrotóxicos.
Entregues na última semana, dia 29 de abril, as escrituras dos lotes fazem parte de uma modalidade de reforma agrária promovida pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), uma ação que em Mato Grosso do Sul é realizada através de parceria entre o MDA (Ministério de Desenvolvimento Agrário) e a Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural).
Na chacrinha de 5,04 hectares da senhora Márcia Cortez, as áreas destinadas ao plantio do vegetal já estão sendo planejadas. “É a possibilidade de voltarmos com a tradição da erva-mate que já foi tão forte no Estado e com o passar dos anos se perdeu. Sem contar que o cultivo da planta contribui também com o meio ambiente, não deixa de ser uma maneira de reflorestamento e, ainda, teremos um ganho para a renda de casa”, afirmou animada a senhora Márcia Cortez.
Segundo o prefeito de Amambai, Sérgio Barbosa, medidas já estão sendo tomadas para que o projeto de retomada da cultura da erva-mate não fique apenas no papel. “Nossa aposta é valorizar as famílias agrícolas que tomaram posse destas escrituras. Estamos com planejamento para visitar o Paraná para conhecer projetos de erva-mate que estão dando certo por lá. Queremos replicar essas ações aqui. Vamos fomentar isso para promover a retomada dessa tradição e quem sabe, no futuro, não tenhamos nas terras da Fazenda São Francisco, aqui da região, um novo crédito fundiário”, declarou com entusiasmo.
Em uma área de 867,40 hectares, os 172 lotes entregues formavam o que no passado era conhecida como fazenda “Querência”. Para a aquisição das terras foi pago o valor de R$ 11.155.752,00, sendo que cada família recebeu um terreno individual com área total 5,04 hectares incluindo a área de Reserva Legal e de Preservação Ambiental. Outro investimento previsto é o orçado em R$ 2,207 milhões para utilização em assistência técnica, construção de moradias, perfurações de poços, implantação de rede de água e projeto produtivo individual.
Comemorando um sonho antigo, o agricultor Leopoldo da Silva vê na escritura a segurança e o futuro certo para ele e toda a sua família. “Eu estava morando na cidade como aposentado que sou. Vou completar 70 anos de idade e só agora que consegui meu pedaço de chão.Sempre trabalhei no campo e estou aposentado pelos 35 anos de profissão, eu fui administrador de fazenda. Mas com a meu lote tudo muda. Vou cuidar do que é meu e do que será dos meus filhos daqui a alguns anos”, afirmou em um tom de satisfação.
Outra que deixa para trás a vida na cidade e retoma a jornada rural é Erondina Watraz de Almeida. “Há cinco anos tive que deixar o campo por dificuldades financeiras. Hoje estou trabalhando em um frigorifico, na cidade, como auxiliar de serviços gerais. Mas sempre tive aquele sonho antigo de voltar a fazer o que sei que é cuidar da terra”, disse a mulher tendo em mãos a documentação de seu lote.
“Quero contribuir com essa retomada da erva-mate e também mexer com peixe. Na minha família tenho sobrinhos que já mexem com isso e vou pedir a ajuda deles ao menos neste começo”, contou Erondina.
Dentro das terras do antigo latifúndio ainda há um projeto para fomentar o cultivo de mandioca para venda in natura e fabricação de farinha e a pecuária de leite.
Crédito Fundiário
O Programa Nacional de Crédito Fundiário oferece condições para que os trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra possam comprar um imóvel rural por meio de um financiamento. O recurso ainda é usado na estruturação necessária para a produção e assistência técnica e extensão rural.
Além da terra, o agricultor pode construir sua casa, preparar o solo, comprar implementos, ter acompanhamento técnico e o que mais for necessário para se desenvolver de forma independente e autônoma.
Em parceria com o MDA, no Estado, o Crédito Fundiário conta com o empenho da equipe da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) liderada pela servidora Tânia Regina Minussi.
Erva-Mate
A erva-mate (Ilex paraguariensis) é uma árvore da família das aquifoliáceas, originária da região subtropical da América do Sul no Paraguai. É consumida como chá quente (chimarrão) ou gelada (tereré). O tereré é a bebida típica de Mato Grosso do Sul, sendo consumida bastante em Mato Grosso, Rondônia e Acre. Também é usada para a fabricação de corantes.
Estudos detectaram a presença de muitas vitaminas, como do complexo B, vitamina C e vitamina D, além de sais minerais, como cálcio, manganês e potássio na erva. Também combate os radicais livres, auxilia na digestão e produz efeitos antirreumático, diurético, estimulante e laxante.
Um mergulho no passado: Cia Laranjeiras
Município que hoje abriga o mais novo assentamento, Amambai, no século XIX, tornou-se, de pequena vila, uma cidade próspera, pólo de desenvolvimento do cone sul do estado de Mato Grosso do Sul. E sua história teve vários momentos decisivos, sendo um destes, a criação da Cia. Erva Mate Laranjeira, do proprietário Tomás Laranjeira, que trouxe crescimento e população para o novo município que se formava.
Desde o fim do século XIX a erva-mate foi assumindo papel importante como produto chave da economia do nosso antigo sul do estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul.
Com o passar dos anos e a inclusão de novos sócios influentes no poder político, a empresa se expande rapidamente e quase sem concorrentes. A erva-mate produzida no sul de Mato Grosso era na sua quase totalidade exportada para a Argentina, inicialmente através do porto de Murtinho, no rio Paraguai, criado para este fim, onde hoje é a cidade de Porto Murtinho, no pantanal sul-mato-grossense.
Em um curto período a Cia tornou-se poderosa economicamente e exercia muita influência política. Porém, em 1941, houve uma quebra de contrato na renovação de arrendamento de terras com a Cia. Mate Laranjeira e pouco a pouco a exportação foi suspensa pela Argentina.
O país deixou de comprar erva-mate do Brasil. Esse encerramento de contrato foi um duro golpe na economia ervateira do antigo estado de Mato Grosso e representou um profundo enfraquecimento da atividade no sul de Mato Grosso, o que hoje conhecemos por Mato Grosso do Sul.