As únicas certezas que esse nosso mundo contemporâneo nos traz são justamente as suas várias incertezas e interrogações. Hoje em dia, os sentimentos e as relações humanas se situam também mergulhados, de maneira inevitável, nesse mar de inseguranças. E apresentam um grau de instabilidade tal que muitos pensadores já anexaram aos mais diversos tipos de afetos e relacionamentos o adjetivo “líquido”, devido mesmo a essa imensa fluidez e às vertiginosas velocidades com que eles surgem e se vão. Relacionar-se, nesses nossos tempos, é como trafegar numa espessa neblina, sem qualquer noção de onde se vai chegar e até quando essa jornada irá durar.
O mundo virtual é o retrato mais exato destes tempos em que “nada é feito para durar” e a rapidez do deletar é bem maior do que as velocidades da compreensão, da tolerância e da convivência. Não há mais qualquer necessidade de se ter calma e paciência com as imperfeições alheias. As pessoas estão dando maior preferência a relacionamentos em “rede”, que podem ser desmanchados a qualquer momento. Tratam-se entre si como bens de consumo, ou seja, caso apareçam defeitos, nas relações e/ou nas pessoas envolvidas nestas, descartam-se e trocam-se por outros humanos, talvez, em “versões melhoradas”.
Há ainda, por outro lado, os chamados “relacionamentos de bolso”, do tipo que se usa quando é necessário, não havendo necessidade do seu descarte total. Quando a sua utilização alcança certos fins, guarda-se para ser empregado numa outra ocasião, sem qualquer vínculo ou compromisso maior.
Agora transfigurado, o amor autêntico, exatamente como ocorre com qualquer tipo de mercadoria em sociedades de consumo, passou por um processo tal de massificação e vulgarização que acabou promovendo o aparecimento de uma série de sentimentos instantâneos e fugazes. Rapidamente, as pessoas já se declaram amando outras que conheceram há tão poucos dias. A palavra “amor”, aos poucos, foi perdendo os seus significados e a sua profundidade e é usada banalmente entre pessoas que mal se conhecem de fato.
Hoje em dia, dizer “eu te amo” caiu no mesmo automatismo e trivialidade de se dizer um simples “bom-dia”. As pessoas, pelo que se tem visto por aí, não parecem saber direito o que sentem, nem conseguem definir sequer as diferenças entre amor e paixão, por exemplo; mas, mesmo assim, utilizam-se destas palavras, que perderam, visivelmente, as suas importâncias e sentidos.
* Marcelo Mourão, poeta, escritor, crítico literário e produtor cultural