Campo Grande (MS) – A 4ª Semana do Arquivo Público, realizada pela Fundação de Cultura de MS e Arquivo Público Estadual, realizou na manhã desta sexta-feira sua última mesa redonda, com três temas que versaram sobre ditaduras na América Latina.
A primeira palestra foi “Relatório Figueiredo e acervos documentais: um olhar sobre os povos indígenas na ditadura”, ministrada pelas professoras Eva Maria Luiz Ferreira e Lenir Gomes Ximenes, do Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas (Neppi) da UCDB. As professoras falaram sobre o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que funcionou no país de 1910 a 1961, e que foi substituído pela atual Funai.
Os principais objetivos eram estimular os índios a adotar hábitos civilizados; fortalecer as iniciativas cívicas e o sentimento indígena de pertencer à nação brasileira, por meio da educação formal; fixar o índio à terra, contribuir para o povoamento do interior do Brasil; empregar a força de trabalho indígena no aumento da produtividade agrícola e possibilitar o acesso e a produção de bens econômicos nas terras indígenas.
No antigo Mato Grosso, o SPI possuía as inspetorias regionais 5 e 6. Eram realizadas remoções compulsórias de índios para postos indígenas, as atuais reservas. Os documentos do SPI servem como fonte da história indígena.
Logo após, as pesquisadoras falaram sobre o “Relatório Figueiredo”, que foi elaborado pelo procurador Jader Figueiredo Correia em 1967 a partir de denúncias contra o SPI. Jader percorreu todo o Brasil levantando registros contábeis, recibos, cartas, depoimentos e outros documentos oficiais. O procurador visitou 130 postos indígenas e compôs o relatório com 7 mil páginas. Ele relatou a violência física e simbólica, coerção e controle social, genocídio, epidemias, trabalho compulsório e ações disciplinares de integração contra os índios.
Este relatório ficou perdido por décadas e foi encontrado em 2013. Ele relatou as atrocidades que aconteciam nas cadeias ilegais: torturas, trabalhos forçados, assassinatos, espancamentos e violência sexual contra indígenas, má gestão de recursos do SPI, venda e arrendamento de terras dos índios, venda de madeira das reservas, desvio de dinheiro e materiais dos postos indígenas. Tudo isso teve consequências na atualidade, o que gerou reivindicação por parte dos indígenas de políticas de reparação.
A palestra seguinte foi “O arquivo do Horror: memória e julgamentos políticos”, da professora Giane Maria Giacon, do Arquivo Público Estadual. O Arquivo do Terror está armazenado atualmente no Museu da Justiça e Assunção, no Paraguai. Foi criado na ditadura Stroessner (1954-1989). Relata a Operação Condor, nos anos 70 e 80, que era uma rede de informação para caçar subversivos.
O Arquivo do Terror foi descoberto em dezembro de 1992 e em janeiro de 1993 foram iniciados os processos de inventariado e classificação dos diferentes documentos encontrados.
A terceira e última palestra da manhã foi “Os rastros da Conexão repressiva das ditaduras de segurança nacional em Arquivos do Brasil”, pelo professor Jorge Christian Fernández (UFMS). Esta apresentação abordou a Conexão Repressiva (legal e ilegal) Transnacional entre Brasil, Argentina e Uruguai; e a caça aos militantes políticos no marco histórico das respectivas ditaduras de Segurança Nacional, e seu estudo por meio dos arquivos repressivos.
Nos anos 1920-1940 foram criadas as polícias políticas no Cone Sul, devido à percepção do comunismo como “ameaça internacional”, à noção de crime político, e iniciou-se a cooperação policial e militar entre “vizinhos”, com inspiração na Alemanha Nazista, nos Estados Unidos, França e Inglaterra.
Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos investiram em cursos de instrução, inteligência e investigação na América Latina para as polícias; houve intercâmbios e cursos para militares e a CIA coordenou serviços de inteligência na América Latina. Houve a pentagonização da América Latina, com objetivo de convencer setores dominantes latino-americanos da sintonia entre seus interesses e os dois EUA no cenário da Guerra Fria.
O pensamento militar no Cone Sul era de que as Forças Armadas deveriam ser receptivas ao ideário dos EUA; democracia comi sistema permissivo que facilitaria a ascensão do comunismo; combater de forma organizada o comunismo além das fronteiras e rivalidades nacionais; utilizar métodos ilegais e encobertos e evitar a condenação pública.
O professor cita alguns dos Arquivos da Repressão no Brasil: Deops (SP), Aperj (RJ), AHRS (RS), AEL (Campinas, SP), Arquivo Nacional (DF), Arquivo Histórico do Itamaraty (DF) e o Cedoc (História/UFMS).
Para a coordenadora do Arquivo Público Estadual, Áurea Coeli, discutir os arquivos das ditaduras na América Latina é importante para deixar acessível, numa visão mais real, o que estava escondido, ou aberto só a algumas pessoas. “É uma parte da nossa história que deve ser mostrada, desvendada, para termos melhor entendimento da nossa democracia. Quando abrimos ao público é para levar a todos o conhecimento de nossa história. Proporcionar essa troca de conhecimentos é muito importante, O tema é muito bom para fechar a Semana do Arquivo”.
Logo após as exposições foi realizada uma mesa redonda com a participação dos palestrantes desta manhã e com a intervenção dos presentes. O evento começou no dia 18 e será encerrado hoje à tarde, com exibição dos documentários “A Mesa – Campo Grande de Culturas” e “Caá: a força da erva”. A entrada é franca e aberta a toda a população.