No Brasil, a atenção com a infecção associada aos cuidados de saúde não é algo novo. Em 1983, o Ministério da Saúde, através da Portaria 196, já se preocupava com o tema “infecção hospitalar” e instituiu a obrigatoriedade da implantação de Comissões de Controle de Infecção Hospitalar em todos os hospitais do país, independente de sua natureza jurídica. Entretanto, foi a partir de 1985, com a ampla divulgação da imprensa sobre o processo trágico que levou o, então, Presidente Tancredo Neves à morte, vítima de complicações cirúrgicas e infecção hospitalar, que as pessoas começaram, verdadeiramente, a prestar atenção sobre a importância do tema como uma realidade concreta, que se tornou uma preocupação de proporções nacionais.
Desde então, autoridades, legisladores, profissionais de saúde, educadores, gestores e líderes têm se mobilizado continuamente para melhorar o panorama da infecção hospitalar, atualmente conceituado como Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (IRAS), devido a sua complexidade e amplitude. Porém, apesar de todos os esforços, nacionais e internacionais, situações preocupantes ainda têm ocorrido nas instituições de saúde em todo o mundo, prejudicando pacientes e famílias.
Uma importante agência de comunicação internacional publicou no início deste ano que cerca de 179 pacientes podem ter sido expostos a uma bactéria resistente a antibióticos (Carbapenen) durante procedimentos de Endoscopia Digestiva em um hospital universitário de referência na Califórnia (EUA), entre outubro de 2014 e janeiro e deste ano. Pelo menos sete pessoas adquiriram infecção pela bactéria resistente, sendo que este fato pode estar relacionado com a morte de dois pacientes. Segundo a agência, infecções por superbactérias são difíceis de serem tratadas, e o Centro de Controle e Prevenção de Doença (CDC) dos Estados Unidos afirma que estudos estatísticos mostram que estes microrganismos podem contribuir para a morte de até 50% dos pacientes infectados.
No Brasil, publicações semelhantes na mídia trazem à tona este grave problema presente também em nossas instituições de saúde. Uma matéria publicada recentemente relata fato ocorrido em Goiás, em 2012, que obrigou o Estado a indenizar a esposa e três filhas de um homem que foi a óbito após adquirir infecção relacionada à assistência à saúde. Através de decisão judicial, teria sido constatado que o paciente morreu após contrair uma bactéria que existe exclusivamente em hospitais, a Klebsiella pneumoniae.
Outra matéria, publicada em fevereiro deste ano, descreve situação ocorrida envolvendo maternidades de Maceió. Uma destas maternidades estava em reforma há algum tempo, com obras no local, o que aumenta o risco para infecção, principalmente para neonatos, que são muito susceptíveis por não terem ainda seu sistema imunológico plenamente desenvolvido. A matéria cita que membros do Conselho Estadual de Saúde e do Conselho Regional de Medicina (CRM) chamavam a atenção para o perigo das crianças morrerem acometidas por infecção hospitalar. Mesmo assim, a maternidade em reforma recebeu 20 bebês transferidos do hospital universitário local, que apresentava superlotação. Segundo a matéria, um familiar de um bebê prematuro que estava sendo tratado neste hospital em obras – onde foi constatada pane elétrica e infiltração nas paredes, o que levou à interdição da instituição em reforma – relata que ele teve que ser novamente transferido para outra instituição e que houve demora no processo na decisão pela transferência da criança que estava na UTI, que, já debilitada e muito vulnerável, teve sua situação clínica agravada por esta situação de transferência, com piora do quadro infeccioso, evoluindo a óbito por sepsis em outra maternidade.
Outro caso também descrito pela imprensa recentemente foi o de uma situação ocorrida no estado de Espírito Santo, em um hospital materno infantil, em que pelo menos duas pacientes atendidas nas salas cirúrgicas deste hospital poderiam ter contraído infecção relacionada ao procedimento obstétrico. A matéria cita que os próprios médicos discutiam entre eles questões ligadas a procedimentos de higiene e que a Vigilância Sanitária local foi acionada pela Secretaria de Saúde para averiguação do local.
Estas tristes histórias envolvendo pacientes de todas as idades, evidenciam a importância da adoção de melhores políticas, procedimentos e programas nas instituições de saúde, que apoiem verdadeiramente a prática cotidiana de ações voltadas para a qualidade e segurança nos processos relacionados aos cuidados do paciente.
Neste sentido, o conjunto de padrões recomendados pela Joint Commission Internacional (JCI), representado no Brasil com exclusividade pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), tem se destacado mundialmente como importante ferramenta de gestão, ajudando os líderes, gestores e profissionais na adoção de uma cultura voltada para a qualidade e segurança.
Em sua 5ª edição, o Manual de Padrões para Acreditação da JCI para Hospitais aborda padrões que contemplam a importância da implantação de programas e planos que podem auxiliar as instituições, seus líderes, gestores e profissionais, a planejar e adotar processos organizados com o objetivo de oferecer instalações seguras e livres de acidentes, assim como, sistemas de monitoramento para reduzir e controlar perigos e riscos inerentes ao ambiente de cuidado do paciente, especialmente aos pacientes mais vulneráveis que necessitam de proteção e atenção redobrada.
O capítulo Prevenção e Controle de Infecções (PCI) contém requisitos para um efetivo programa de controle e prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde. Protocolos de boas práticas baseadas em evidência, uso racional de antimicrobianos, precauções de barreira, planos em caso de surtos, programa de saúde dos profissionais, cuidados com obras, construções e reformas em instituições de saúde são alguns dos pontos importantes abordados pelos padrões da JCI neste capítulo. Destaca-se também a Meta Internacional de Segurança do Paciente que aborda a importância da adoção do procedimento de higiene das mãos, também adotada pela Organização Mundial de Saúde.
O capítulo de Gerenciamento e Segurança das Instalações (FMS) abrange o desenvolvimento de um programa que deve obrigatoriamente incluir o monitoramento, supervisão e manutenção de sistemas de infraestrutura elétricos e hidráulicos, entre outros pontos relevantes. Através de profissionais treinados e capacitados devem ser realizadas simulações periódicas para testar a funcionalidade destes sistemas, a eficácia dos planos de contingência e o desempenho dos profissionais nestas situações de risco, de forma prática e em equipe.
O capítulo Acesso a Cuidados e Continuidade dos Cuidados (ACC) enfoca padrões que abordam situações de cuidados, inclusive quanto aos processos de transferência e transporte de pacientes entre instituições de saúde. Os padrões também atentam para a prevenção de deterioração do quadro clínico do paciente, decorrente de atrasos e demora nos processos.
Finalmente, dois outros capítulos do Manual tratam, respectivamente, de processos e funções voltadas para a Melhoria da Qualidade e Segurança do Paciente (QPS) e as responsabilidades dos líderes e gestores sobre o programa de qualidade da instituição, através do capítulo Gerenciamento, Liderança e Direção (GLD).
Gestores e líderes em mais de 500 instituições de saúde no mundo todo, inclusive no Brasil, têm adotado os padrões de qualidade da JCI. Os resultados não decorrem de mágica, mas de um modelo de gestão baseado em responsabilidade, confiança, transparência e compromisso, sobretudo com os pacientes e suas famílias.
(*) Nancy Yamauchi é Enfermeira graduada e especialista em Terapia Intensiva pela Escola de Enfermagem da USP, com Licenciada Plena pela Faculdade de Educação da USP, coautora de Capítulos de Livros sobre qualidade, segurança do paciente e prevenção de infecção. Atualmente é Educadora e Gerente de Projetos do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), em São Paulo.