No Brasil as mulheres representam 51,6% da população e 52,13% do eleitorado, ou seja, numericamente, a maioria. Todavia, na política figuram na 131ª posição num ranking de 189 países classificados pela União Inter-Parlamentar – IPU, ficando atrás de países como Iraque, Afeganistão e Moçambique.
Apesar da realidade antidemocrática que assola o país, pela primeira vez na história da República Federativa do Brasil, no ano de 2010, uma mulher passou a presidir o maior País da América Latina e o quinto do mundo. Em 2014, por meio de uma difícil disputa eleitoral, Dilma Rousseff foi reconduzida ao Executivo com 54,4 milhões de votos.
A primeira mãe presidente do Brasil, quebrou a perversa lógica patriarcal descrita por Michelle Perrot que atribuía aos homens os espaços públicos e o político, seu santuário; às mulheres, o cotidiano, o privado. E seu coração, à casa.
Portanto, Dilma Rousseff se colocou na história do Brasil e do mundo como marco do empoderamento, resistência e conquista dos espaços públicos pelas mulheres. Na travessia do seu viver, a mulher, mãe e avó Dilma venceu a ditadura militar, o câncer, duas eleições e deixará registrada em sua biografia a luta contra um terrível golpe de Estado, muito próximo de ser finalizado.
O que se viu na Câmara dos Deputados Federais no fatídico 17 de abril de 2016, na votação de admissibilidade do processo de Impeachment, conduzida pelo réu e ex-presidente-deputado Eduardo Cunha foi, inquestionavelmente, um show de misogina, sexismo, patriarcado e machismo.
Parcela expressiva dos Deputados Federais que votaram pelo Impeachment, utilizaram de argumentos esdrúxulos: “pela paz de Jerusalém”, “por minha esposa Paula”, “por minha filha que vai nascer e minha sobrinha Helena”, “por minha família e meu estado”, “por Deus”, “pelos evangélicos”, “pelo aniversário da minha cidade”, “pela defesa do petróleo”, “pelos agricultores”, “pelo café” e inclusive “pelos vendedores de seguros do Brasil”. Deixando claro a inexistência de reais motivos para um Impeachment, já que nem seus votos relacionavam-se ao crime de responsabilidade. Foi e é golpe!
Por fim, não contentes com a baixaria já registrada na história, se despediam de forma irônica se referindo à presidenta como “querida”, embora não nutram por ela nenhum tipo de sentimento e respeito, mas um ódio magistral, indigno de qualquer consideração ou revelia. E isso estava implícito no discurso (longe dos eventuais reais motivos, é claro) daqueles que se manifestaram favoráveis ao impeachment e que no final bradavam: “Tchau Querida!”.
Importante lembrar que a linguagem não carrega consigo apenas a função de comunicar, mas traz em seu mundo semântico sentimentos, afetos, vontades, medos ou ódio – ainda que inconscientes. Num cenário político de difícil inserção da mulher, fruto do tripé capitalista, colonial e patriarcal, o “tchau, querida!” busca deslegitimar, desrespeitar, subtrair a seriedade e suavizar o estupro verbal que estavam cometendo à Dilma, às mulheres e à Democracia Brasileira. Esse querida, vindo de homens e mulheres, muitos com processos de corrupção em curso e declaradamente contrários ao governo da presidenta, pode ser interpretado e substituído por histérica, doida, vaca, puta, piranha, demente e muitos outros adjetivos que cotidianamente são utilizados para se referir às muitas Dilmas no Brasil. Quem nunca os ouviu nas rodas de conversa ou nos grupos de WhatsApp?
É uma expressão que dói, pois vem carregada de ironia, ódio, golpismo e repulsa às mulheres, principalmente nos espaços públicos. Aliás, qual o grau de intimidade que tais deputados possuem para pronunciar “Tchau, Querida!”? São amigos íntimos da Presidente? O nível de cumplicidade entre eles eleva à tal dimensão? Na verdade, não, pois o único que demonstrou complacência e sinceridade em tal cumprimento foi o ex-presidente Lula, quando se despediu da Presidente por telefone, em um áudio divulgado ilegalmente pelo Juiz Sérgio Moro. Ele é o único que de fato é seu amigo, companheiro e colega.
O que foi visto no plenário foi uma catástrofe, um aborto ideológico, machista, preconceituoso, que a cada “Tchau Querida!” não ofendia só a presidente, mas desrespeitava e feria mulheres e homens que lutam cotidianamente contra todas as práticas que diminuem, espancam, estupram as muitas formas de ser, fazer e viver Mulhere(s).
Vale lembrar que os Deputados que despediam com o “tchau, querida!” em sua maioria, nas eleições presidenciais, não apoiaram a mulher Dilma, mas, sim, o homem na figura de Aécio Neves. Portanto, a ironia vinha daqueles que não souberam respeitar o democrático resultado das urnas e, como ditadores, passaram a exercer suas tiranias insanas.
Terminar seus votos, despedindo-se da primeira mulher presidente do Brasil com “Tchau, querida!” foi uma escolha irônica dos deputados federais. Ainda que a capacidade intelectiva dos parlamentares não os permita ver a dimensão da agressividade de suas despedidas, tal escolha atingiu não só Dilma Rousseff, mas as muitas mulheres mães, filhas, pobres, ricas, camponesas, urbanas, negras, brancas, pardas, indígenas, não indígenas, quilombolas, transsexuais, gays, heterossexuais que diariamente são esquecidas, violentadas, estupradas e desrespeitadas de formas distintas pela ironia masculina que diária e ironicamente se despendem: tchau, queridas!
Dizer “tchau, querida!” é reforçar ainda mais a baixa participação das mulheres na política. É acentuar a diferença salarial entre homens e mulheres. É fortalecer a violência física, patrimonial, psicológica, moral, verbal e sexual. É zombar das mães em seu dia. E mais do que isso: é deslegitimar o empoderamento feminino por meio do voto.
Como se não bastasse o infeliz “tchau, querida!”, Jair Bolsonaro (PSC – RJ), político conservador, de direita, defensor da família tradicional brasileira e do Regime Militar votou “Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Duque de Caxias, pelas Forças Armadas, o meu voto é sim”
Num país sério, é impensável um representante do povo dedicar seu voto à quem torturou uma mulher. Mas, no país do “tchau, querida!”, votar pelo torturador da ditadura é só mais um requinte da crueldade do Estado de Exceção que virou esse país. Chocante toda sociedade brasileira ver e ouvir essa tortura oral e continuar a defender a legalidade de um Impeachment votado irresponsavelmente por Jair Bolsonaro, Eduardo Cunha, Paulinho da Força e muitos outros que se dizem de direita, mas que não possuem um plano de governo complacente com os reais anseios da sociedade.
Neste contexto, Marcia Tiburi explica em seu livro “Como conversar com Fascistas” que fascista é aquela pessoa que luta contra laços sociais reais enquanto sustenta relações autoritárias, relações de dominação. Assim é que Bolsonaro, ao expressar tais palavras, expõe seu ponto fraco: o ódio a revelia dos contrários à sua opinião e do seu modo de vida.
Não se pode esquecer a elite golpista e masculina defensora da moral e dos bons costumes que brada incoerência e politicagem e que, além de não ser inofensiva, não representa a maioria da população, nem em gênero e muito menos intelectual. Mas, seu ódio gratuito às queridas lastra-se na sociedade, principalmente pela falta de conscientização feminista nas escolas, nas universidades, nos jornais televisivos, na mídia eletrônica, no íntimo das pessoas. Não é nada aceitável presenciar atos machistas em pleno século XXI, pois o indivíduo que acha graça em se referir a uma Presidenta do país que sofre um ato golpista, com ironia, pode muito bem agredir e ofender seu cônjuge ou qualquer pessoa com ironia. Um jornal brasileiro que se refere à Presidente como histérica e descontrolada utilizando-se de fotografia fora desse contexto, pode incentivar a violência verbal e física doméstica.
E que profissionalismo é esse, guiado a discriminação de gênero e partido político? A impressão que se tem, é que a mídia brasileira escreve para leitores com um perfil específico: dos belos, recatados e do lar, algo comum propagado por uma elite conservadora, branca, heterossexual, rica, “cristã”, tradicional e preconceituosa, sendo a que possui boa parte do capital, tendo a regalia de opinar sobre o que deve ou não ser publicado, e a quem deve influenciar. Aliado ao fato do percentual de alfabetos funcionais que segundo o ministério da educação e cultura chega à casa dos 32% feito essa análise no ano de 2012. E desse percentual cerca de 70% utiliza meios de comunicação obsoletos e direcionados, mídia pronta e partidária.
Prova disso, vemos o que ocorreu no dia 04 de maio de 2016 na capa do Estadão quando o fotógrafo tirou uma foto da Presidenta sorrindo, sobreposta à chama da tocha olímpica. Essa imagem deixa clara a prepotência do jornal, ao referir simbolicamente que a mesma está sendo queimada como se fez com bruxas da Idade Média ou hereges com ideais contrários da elite governamental. São, por se tratar de um jornal da elite golpista, utilizando de meios visuais para manipular o homem sem conteúdo, como diria Giorgio Aganbem. E, infelizmente, funciona para a grande “massa manipulada”.
Dilma, popularmente conhecida como coração valente, pode até se sair queimada nas manchetes de jornais, mas a querida (aqui sem ironia), deixará o legado ao país e levará consigo a história de ações sociais como bolsa família, construção de mais de 20 universidades públicas, FIES, PROUNI, Luz para Todos, Mais Médicos, licença paternidade de 20 dias para funcionários públicos, Casa da Mulher Brasileira, construção de mais 25 mil casas pelo Programa Minha Casa Minha Vida, desapropriação de terras e reforma agrícola, reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, políticas públicas para transexuais, além da crise enfrentada no seu segundo mandato ter fortalecido a esquerda no Brasil. Nunca se viu uma união e uma garra para resistir o golpe de Estado implantando pela direita brasileira e seus aliados históricos como OAB, FIESP, mídia, elite e o ódio.
Portanto, podemos concluir que aqueles que proferiram “Tchau, querida!” na câmara ou qualquer outro espaço, será visto daqui quinze, vinte anos como motivo para se referir a um grupo medíocre na história do Brasil, composto por machistas, homofóbicos, analfabetos funcionais, massa não leitora e manipulável e mídia corrupta e golpista. Agora basta saber: de qual lado da história você gostaria de ser lembrado?
Feliz dia das mães a todas Dilmas que diariamente recebem “tchau, querida!” de homens e mulheres machistas, sexistas, misóginos e mesmo com seus direitos golpeados e espancados lutam, resistem e elegem-se Presidentes de seus mundos.
Fiquem, queridas!.
* TIAGO RESENDE BOTELHO é doutorando em direito público pela Universidade de Coimba, mestre em direito agroambiental pela UFT e professor na Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD
* AMANDA RAMIRES GUEDES é mestra em desenvolvimento local e professora licenciada em História pela Universidade Católica Dom Bosco, professora licenciada em História -UCDB, mestre em Desenvolvimento Local – UCDB.