“O Estado é Meu!”

Do Rei Sol ao Príncipe das Trevas, a falência do Estado...

Não, não se trata do célebre Luís XIV — o de “o Estado sou eu” –, iniciador do absolutismo, gênese do Estado Nacional ou Moderno, quando a burguesia recém-capitalizada pactua com o rei sua participação no poder e alija a nobreza parasitária. Ironia da História, hoje é a burguesia a parasitária, e pactua até com o crime organizado qualquer artifício que estique seus dias no topo da pirâmide social, valendo-se, inclusive, de fórmulas bizarras, tiradas do lixo da história, como caricaturas de Hitler, porém nada inteligentes…

Como bem disse o “velho barbudo”, a História só se repete como farsa.

Mas o grande Jornalista Paulo Moreira Leite, articulista do 247, escreveu há pouco menos de um ano que Michel Miguel Temer Lulia — MT para o departamento de propinas da Odebrecht, ou Me(rd)chel T(r)emer para a História — tenta inspirar-se em algum grande personagem histórico para os seus devaneios senis e justificar-se perante os seus, talvez diante de sua “recatada e do lar” e do inocente Michelzinho (afinal, não tem, absolutamente, qualquer culpa pelo pai que tem). Poderia ter sido Napoleão Bonaparte, mas escolheu arbitrariamente o Rei Sol, assunto muito bem tratado em seu (de Paulo Moreira Leite) memorável artigo.

Filho de um casal de imigrantes libaneses (não sei se “nascido no Brasil aos nove anos”, o que o impediria chegar ao mais alto cargo do País), depois de se formar na renomada Faculdade do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, passou no concurso para promotor de Justiça do estado de São Paulo. Anos mais tarde, graças à sensibilidade política de um grande brasileiro chamado André Franco Montoro, então recém-eleito governador em São Paulo ao derrotar de modo acachapante o então deputado Paulo Salim Maluf, encarnação da (mal)ditadura, foi convidado para chefiar o Ministério Público de São Paulo, como reconhecimento da importância da comunidade libanesa de São Paulo e gesto de cordialidade com os imigrantes árabes, de modo geral.

Exerceu o cargo até ser convidado, novamente por Montoro, para substituir o titular da Secretaria de Segurança Pública, quando teve seus quinze minutos de fama por ter criado a primeira Delegacia de Polícia de Atendimento à Mulher. Além de conquistar uma súbita notoriedade, T(r)emer conseguiu o apoio incondicional de um dos cardeais da oposição ao regime de 1964, ligado à igreja católica e bastante influente na sociedade paulistana. Ele deve ao então governador Montoro a sua candidatura a deputado constituinte em 1986, mas, com a sina de sempre ser suplente, acabou no banco de reservas da bancada paulista na Constituinte. Graças à inesgotável habilidade de seu padrinho, acabou participando dos debates da nova Carta Constitucional, pois um dos deputados titulares, a pedido de Montoro, passou a integrar o secretariado de Orestes Quércia, sucessor no governo estadual.

No entanto, T(r)emer nunca correspondeu à lealdade de Montoro, tanto que um ex-assessor seu não conseguiu segurar e deixou escapar, como ato falho, o desconforto desse democrata de excepcional quilate quando o lembravam que ele havia sido responsável pela, digamos, iniciação política do então obscuro aprendiz de político. Montoro e Mário Covas, no final da vida, romperam com o PMDB e foram fundamentais para a criação daquilo que viria a ser o ninho da serpente, o PSDB. Mas a deslealdade de T(r)emer, que não resistiu ao convite do governador quercista Luiz Antônio Fleury Filho, ex-membro como ele do Ministério Público de São Paulo, para assumir a Secretaria de Segurança Pública depois do vergonhoso e trágico massacre do Carandiru.

Há quem diga que o início da ascensão da — segundo a Gloebbels dos Ma(erd)inhos — “organização criminosa” que há décadas comanda as penitenciárias (e, de certo modo, também a política) paulistas tenha se dado durante a medíocre gestão de Temer à frente da administração dos presídios. Lenda ou não, é de causar preocupação, muita preocupação. Por quê? Nenhum governo tucano, em sã consciência, de 1995 aos nossos dias (pois é, Alckmin, Serra e demais tucanos vêm se revezando há 23 anos em São Paulo, e depois vêm falar em alternância para justificar o golpe contra Dilma…), pôs limite à expansão do domínio dessa quadrilha — hoje um verdadeiro partido político com tentáculos em todo o Brasil (e até fora, como se pôde ver no Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru) — e não por acaso, no início do (des)governo T(r)emer, houve uma verdadeira disputa de facções criminosos em presídios de diferentes estados. E o que fez T(r)emer? Absolutamente nada, pois nem as promessas de liberação de verbas para construir novas unidades penais se realizaram.

T(r)emer não se imagina distante do Palácio do Planalto. Ele pegou gosto pela coisa. Pior, tem convicção (êta palavrinha desgastada pelos justiceiros, togados ou não) de que o Estado lhe pertence, de que é “o predestinado”, e que sem ele o País sucumbirá, tamanha a sua obsessão pelo poder. Por isso a intervenção federal no Rio, para alavancar a sua (sic) “candidatura à reeleição” (como “reeleição” se não foi eleito presidente?). No ímpeto de saciar tal desejo, ele não se dá conta da tragédia que ameaça disseminar em todo o Brasil, a partir dessa sua iniciativa bizarra pra cima dos cariocas e fluminenses: além da dispersão de membros de milícias e organizações criminosas por conta da repressão, e se eclode (como está já ocorrendo) uma guerra entre a maior organização criminosa do Rio com a maior organização criminosa de São Paulo? E se a quadrilha paulista (nos dois sentidos) se apropria do Rio, e por extensão de todo o Brasil? Será um deus-nos-acuda (para todos nós, que não temos absolutamente nada a ver com isso)…

Em resumo — com o devido pedido de desculpas ao genial Jornalista Paulo Moreira Leite –, T(r)emer está bem longe de imitar o Rei Sol, mas muito perto de ser o próprio Príncipe das Trevas. Para ele, “o Estado é meu!”, portanto, muito mais impregnado do medievalismo de uma mente obtusa que o rei francês que introduziu o absolutismo, tendo contribuído — ao seu modo, é verdade — para a consolidação do Estado moderno, ou nacional, hoje desesperadamente destruído pelas hordas neoliberais, um eufemismo para o parasitismo econômico que grassa (ou, melhor, desgraça) na contemporaneidade, em que rentistas, agiotas e os abutres do cassino financeiro internacional promovem golpes aqui, no Paraguai, em Honduras e em outros países pelo mundo afora.

*Ahmad Schabib Hany

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