Brasília (DF) – Com o objetivo de proteger os migrantes venezuelanos de situações de abuso no trabalho e promover a empregabilidade deles em condições dignas, no interior do país, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu nota técnica enviada ao Executivo. A nota requer da União providências efetivas para criação e implementação da política pública de empregabilidade aos migrantes e a adoção de medidas de prevenção e repressão ao trabalho escravo e infantil, ao tráfico de pessoas, à discriminação e xenofobia. Segundo a nota, é necessária a adoção urgente de ações de empregabilidade na política de interiorização dos venezuelanos que está sendo desenvolvida pelo governo federal.
“A Nota Técnica 1 é um alerta para que essa política pública de interiorização viabilize a empregabilidade dessas pessoas, por meio de curso de português, de capacitação, de intermediação com as empresas, de forma que eles não sejam simplesmente jogados nos Estados sem nenhuma garantia de emprego. O primeiro ponto da nossa nota técnica é a questão da empregabilidade, que deve estar presente na construção dessa política pública de recepção dos venezuelanos “, afirma o vice-coordenador nacional da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, Ulisses Dias de Carvalho.
Segundo Carvalho, o MPT irá acompanhar as medidas adotadas pela União, Estado de Roraima e Municípios envolvidos e, em caso de desconsideração dos pontos levantados pela instituição, promoverá as medidas judiciais adequadas. “Eventualmente se for descumprido, haverá necessidade judicialização dessa questão, seja por meio de pedido de cumprimento do acordo firmado na ação civil pública nº 384/2015, que trata da política migratória para imigrantes e refugiados, seja por meio de nova ação civil pública para exigir da União que nessa construção da política migratória, sejam levadas em considerações as especificidades do caso dos venezuelanos”, afirma o procurador.
A nota cita acordo judicial firmado entre o MPT e a União em 2015, por meio do qual a União se comprometeu a conferir apoio técnico e financeiro à oferta de serviços e políticas para migrantes. Na época, o acordo foi firmado depois que o MPT ajuizou ação civil pública para cobrar medidas do governo em relação a imigrantes haitianos. Ao celebrar o acordo judicial, o MPT deixou claro que as medidas teriam vigência por prazo indeterminado e abrangência em todo território nacional, ou seja “são aplicáveis a todos os casos de crises migratórias em que a União seja convocada a intervir”. Por isso, a nota técnica cita o acordo e pede seu cumprimento neste caso atual da imigração de venezuelanos. Para o MPT, o governo editou medida provisória e decretos para tratar desta crise e, nesse contexto, deve desenvolver ações no “eixo trabalho”.
De acordo com o documento, “se a política migratória não contemplar as políticas de emprego, acabará se revelando inviável no médio prazo, já que as estruturas de apoio oferecidas aos migrantes são temporárias e somente a obtenção de renda própria permitirá a permanência no país em condições dignas”.
Ulisses de Carvalho alerta para outro ponto importante da nota: a falta de medidas preventivas e de repressão às práticas de aliciamento que possam estar ocorrendo nos locais de concentração de migrantes. “Estamos exigindo medidas preventivas e repressivas de combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, à xenofobia, à discriminação, bem como medidas que busquem evitar a precarização das relações de trabalho, porque há notícias de empresas em Roraima que estão demitindo os brasileiros e contratando de forma informal por um terço do salário os venezuelanos”, acrescentou Carvalho.
O MPT criou um grupo específico dentro da instituição para tratar da questão dos venezuelanos. A procuradora do MPT em Roraima, Safira Nila, integrante do grupo, reforça que a situação de vulnerabilidade dos migrantes venezuelanos, desprovidos de proteção social e privados até de alimentação, “tem desencadeado um verdadeiro vilipendio à dignidade dos migrantes”. Segundo ela, o MPT em Roraima tem atuado de forma repressiva através de instrumentos como inquéritos civis e ações judiciais e também por meio de ações cívicas e campanhas de sensibilização aos direitos trabalhistas da população migrante.”
TRABALHO ESCRAVO – A nota técnica, assinada pelo procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury, fala da importância de se instituir medidas de prevenção da vitimização dos cidadãos venezuelanos a situações de abuso no trabalho, da prevenção ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, à discriminação e xenofobia e ao trabalho infantil. “A adoção de medidas imediatas fica evidenciada quando, de fato, já há notícias de que alguns prepostos de empregadores estão se dirigindo às praças, abrigos e locais de concentração de venezuelanos para realizar ofertas de trabalho. Sobram, também, denúncias de condições de trabalho degradante e trabalho escravo envolvendo migrantes venezuelanos”, diz a nota, destacando que o governo pode recorrer a ações previstas no II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Por isso o MPT defende a participação de representantes da CONATRAE (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) e CONATRAP (Comissão Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas) na construção das políticas públicas para assistência aos migrantes venezuelanos.
Para evitar que venezuelanos acabem submetidos às piores formas de trabalho, o documento enumera medidas urgentes a serem implementadas, tais como utilização do sistema brasileiro de inteligência para levantamento de informações quanto à existência de organizações criminosas para o tráfico de pessoas e submissão dos venezuelanos ao trabalho análogo ao de escravo, bem como o desenvolvimento de estratégias de atuação operacional integrada de ações preventivas e repressivas dos órgãos do Executivo, do Ministério Público e da sociedade civil para evitar a precarização das relações de trabalho, o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, a discriminação e xenofobia e o trabalho infantil.