Falar sobre quem tem uma vasta obra, mais de 500 composições é algo muito engrandecedor para mim. Uma obra como essa serve para tomar consciência do que realmente é um artista popular brasileiro. As músicas dele fazem parte do meu caminho. Já dancei muito bolero na minha vida. Dançamos, aliás. Como diz o meu amigo Fábio Simones, da Escola de Dança Harmonia: Bolero, não se dança longe, se dança colado, sentido o palpitar do outro coração. E assim é a obra do inesquecível Eurípedes Waldick Soriano. Nascido em Caetité – Bahia, filho de Manuel Sebastião Soriano, comerciante de ametistas. Infelizmente um fato marcante de sua infância foi o abandono do lar pela mãe, a quem era muito apegado. Mas já tendo que lidar com tristezas, ainda em Caetité viveu sua juventude, sempre boêmia, até um incidente num clube local, que o fez buscar o destino fora da cidade. Desde muito novo era um inveterado namorador e aventureiro e, seguindo o caminho de muitos sertanejos, foi tentar a vida na capital paulista.
Mas evidentemente antes de adentrar a carreira artística, foi engraxate e, claro, garimpeiro como o pai, e vencendo as dificuldades se torna conhecido na década de 50 com a música “Quem és tu?”. Sempre foi destaque com suas canções sobre “dor-de-cotovelo“ e seu visual revolucionário para a época: sempre usava, chapéu, terno alinhado e óculos escuros. Seu maior sucesso foi “Eu não sou cachorro não”, que foi regravada por um número incontável de cantores. Também se tornaram conhecidas outras músicas suas, tais como “Paixão de um Homem”, “A Carta”, “A Dama de Vermelho” e “Se Eu Morresse Amanhã”. Esta posição diferenciada na música popular brasileira mereceu uma análise mais acurada e científica, pelo historiador e jornalista Paulo César de Araújo, que de cuja leitura obtive mais informações para acrescentar neste artigo. O livro Intitulado “Eu não sou cachorro, não – Música popular cafona e ditadura militar faz referências interessantes sobre a o cantor e sua obra. Ali o autor contesta, de forma veemente, o papel de adesista ao regime de exceção implantado a ferro e fogo no Brasil pelos militares, por parte dos músicos do estilo de Soriano. Waldick, segundo ele, é um dos exemplos, tendo sua música “Tortura de Amor” censurada em 1974, quando foi por ele reeditada. Apesar de ser uma composição de 1962, o regime não tolerava que se falasse a palavra “tortura”…
Na sua cidade natal, Caetité, teve dois de seus filhos, gêmeos, de forma quase despercebida, em 1966. E apenas pelos meados da década de 90, é que a cidade teve num político o resgate de seu filho ilustre. Através do edil Edilson Batista protagonizou uma grande homenagem, e nomeou uma das principais avenidas com o nome de Waldick. Pouco tempo depois um canal de televisão “SBT” realizava um documentário, encenado por moradores locais, retratando a juventude de Waldick, sua paixão pela professora Zilmar Moura, a mudança para o sul. Cena engraçada com Sílvio Santos que, protagonizou com Waldick uma das mais inusitadas situações da televisão brasileira: no abraço que deram, foram perdendo o equilíbrio até ambos caírem, abraçados, no chão. Por tudo isto, Waldick Soriano fez-se símbolo, no Brasil inteiro, de um estilo, de uma classe social, e da sua manifestação cultural, pulsante e criativa. Waldick teve diagnosticado problemas de saúde. Em 2 de julho de 2008 foi divulgado que seu estado de saúde estava grave e culminou com seu falecimento em 4 de setembro no Instituto Nacional do Câncer (Inca), em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro. Tivemos a sorte de ainda em vida vê-lo sendo homenageado e coroada sua careira com livros sobre sua vida (Bernardino Campos- A vida de Valdick Soriano, assim como também em DVD e um documentário produzido pela atriz Patrícia Pilar. E no dia da estreia ela dizia “Eu ouvia no radinho de pilha e quando fiquei adulta fui procurar aquelas músicas. Fiquei intrigada com aquela figura. Pesquisando a música dele, achei pérolas e quis dividir isso com o púbico”. E qual a maior pérola encontrada? “São muitas, dá para fazer um colarzinho!”. E assim é Waldick Soriano, uma joia da música popular brasileira. Aqui no Campo Grande Notícias, há espaço para a poesia, a sensibilidade, a história e por isto, podemos ouvir a beleza de melodia de Waldick, censurada na ditadura militar, em forma de bolero, interpretada por nada mais nada menos que Altemar Dutra Junior. Essa música eu considero clássica e eterna…porque pede paz e ternura em nossas vidas: só ouvir e lembrar.
(*) Articulista e Crítico Musical