O mundo quer saber: quem matou a minha filha Marielle Franco?

Marielle Franco – Foto: Agência Brasil/ABr

Há seis meses fomos apunhalados. O assassinato de minha filha Marielle Franco, no centro do Rio de Janeiro no dia 14 de março, deixou um imenso vazio. Um vazio do tamanho da presença de Marielle em nossas vidas. Definitivamente minha família nunca mais foi a mesma depois daquela noite, assim como a família de Anderson Gomes, seu motorista também assassinado. Ninguém é preparado para viver a perda de uma filha. Eu me pergunto todos os dias o que uma vereadora eleita da cidade e uma reconhecida defensora de direitos humanos pode ter feito para gerar tanta violência. Ainda não tenho respostas.

Desde pequena, Marielle se sobressaía. Foi uma liderança na escola, na igreja, nos projetos em que participou. Ela se envolvia em hortas comunitárias, pré-vestibular popular, movimentos contra a violência, sempre com o pensamento de ajudar o próximo, acreditando que a organização coletiva de base solidária poderia transformar o mundo. Ao fazer pelo outro ela se sentia bem. Poucas pessoas são assim. Seu senso de responsabilidade era tão grande, ela sonhava tão alto, que em 2016 decidiu disputar um cargo público como vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil.

Sua campanha foi uma das experiências mais bonitas da história política da cidade. Envolveu mulheres negras, feministas, jovens, e pessoas da favela. Foi a quinta mais votada, a segunda do seu partido. A representatividade de Marielle era única, era própria dela, não só em defesa de uma minoria, mas de todos. Como defensora de direitos humanos, ela era um símbolo que engajava as pessoas. Marielle conseguiu levar esse movimento para dentro do parlamento em um momento de descrença da população com a política institucional; um processo transformador se iniciava.

A vida de minha filha foi interrompida. Estava claro que sua vida pública seguiria célere a outro patamar. Muita gente acreditava que seu futuro estaria na capital Brasília, caminho político necessário para fazer avançar as pautas coletivas as quais acreditava e representava de forma tão coerente. Mas depois de ter sido assassinada Marielle transcendeu e foi para o mundo. Milhares de pessoas foram às ruas em diferentes capitais e se manifestaram nas redes nas mais diversas línguas. Por uma tragédia, minha filha ecoou muito além do que qualquer um esperava.

Seis meses se passaram do crime brutal que tirou a vida de minha filha e ainda não temos respostas. Estive na Itália com o Papa Francisco para que ele conhecesse a história de Marielle e reiterasse nosso pedido de justiça. A cada mês cobramos das diferentes autoridades responsáveis pela investigação a solução do crime. Enquanto isso, nas ruas, as pessoas demonstram carinho, me acolhem. São meninas jovens que tem em Marielle uma referência, que levam a imagem de minha filha no peito em broches e adesivos para todo o lugar que vão. Todo esse apoio no Brasil e no mundo não vai tirar a nossa dor, mas é fundamental para fazer com que a gente siga em frente buscando justiça.

Apoiar quem mais precisa foi o fio condutor da história de minha filha. Marielle dedicou parte de sua existência a acolher mães no momento mais difícil de suas vidas, o momento da dor da perda de seus filhos de forma violenta, muitos assassinados por agentes do estado que deveriam protegê-los. Histórias trágicas de uma política de segurança pública equivocada, que mata milhares de jovens negros todos os anos, e que ela combatia. Hoje, essas mães têm partilhado este sentimento comigo. Minha dor é mais recente, mas não deixa de ser tão grande quanto a delas. Mães que me visitam e me telefonam diariamente, que querem saber como estou, que fazem com que eu não abaixe a cabeça. Minha filha fez isso por elas e agora elas fazem por mim.

Nunca vou esquecer o acolhimento que tenho recebido. Sinto a presença de Marielle em cada gesto de solidariedade que recebo. Solidariedade que leva à esperança em esclarecer o que motivou alguém a fazer tamanha barbaridade naquela noite. Marielle fazia um trabalho de cobrança e incomodava por ser uma mulher, negra, da favela, que ousou estar em um espaço que historicamente não é ocupado por pessoas como ela.

Meu sentimento é que estamos vencendo porque estamos resistindo e nos mobilizando junto a Anistia Internacional e ativistas de todo o mundo. A cada dia que passa, o reconhecimento internacional do exemplo de vida de minha filha aumenta e é transformado em luta por justiça, em cobrança para o estado brasileiro. Marielle foi uma mulher dócil, exemplo de como a luta pode ser feita com amor. Encantou e inspirou a todos por onde passou. Uma defensora de direitos humanos que dedicou a sua vida a fazer o bem. Minha família não vai descansar enquanto não tiver uma resposta sobre a motivação deste crime. Precisamos saber: quem matou e quem mandou matar a minha filha?

*Marinete da Silva é advogada e mãe de Marielle Franco.

 

Originalmente publicado na Revista TIME.

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