A democracia brasileira: um eterno embrião

Leonardo Pantaleão – Foto: Divulgação

O embrião, como se sabe, corresponde ao estágio inicial do desenvolvimento de um organismo. Nas plantas, é uma parte da semente; nos animais, é o produto das primeiras modificações do óvulo fecundado, que dará origem a um novo indivíduo.

A democracia no Brasil, em que pese ter início nos idos do século XX, após a Ditadura Militar, período marcado por forte repressão estatal que, sobretudo, alijava os cidadãos de exercerem, em sua ‘plenitude’, o denominado livre-arbítrio, ainda pode ser assim considerada.

No país, em apertada síntese, foram aproximados 30 (trinta) anos de luta para se alcançar a igualdade de direitos que foi concebida, sobretudo, com a implementação de uma nova Carta Política.

A Constituição Federal de 1988, nesse prisma, contempla a liberdade de direitos, a igualdade social, liberdade de voto e de expressão, e, ainda, um sistema de eleições livres. Incríveis ideais!!!

Por outro lado, o que talvez não se esperava, era que a modificação da cultura de um povo até então oprimido fosse encontrar maior obstáculo do que a própria alteração legislativa em seu mais alto grau.

O lamentável atentado ocorrido em desfavor do presidenciável Jair Bolsonaro, em Minas Gerais, corrobora o estágio inicial de um organismo político obtido com grande intrepidez pela sociedade brasileira.

A intolerância, o discurso de ódio, a liberdade de voto e de expressão sendo contidas por atos de extremada violência moral e física, representam inegável retrocesso a esse regime político em que a soberania e o poder são exercidos pelo povo, através do sufrágio universal.

Cumpre-nos, neste momento de ‘luto democrático’, analisar, sob a égide jurídica vigente, se tal ato representa ou não um ‘crime político’.

Nesta etapa, caro leitor, não se pretende aprofundar, por escapar ao escopo presente, a correção técnica de tal terminologia, ou seja, se a referência a expressão “crime” adequa-se ou não a tal espécie de infração. Sigamos.

A Constituição Federal de 1988 prevê, na parte inicial da regra do art. 109, IV, a competência da Justiça Comum Federal para o processo e julgamento dos crimes políticos.

Para Nelson Hungria, um dos maiores juristas que o país conheceu, tais infrações se caracterizam pela conduta que “ofende ou expõe a perigo de ofensa, exclusivamente, a ordem política em sentido amplo ou a ordem político social (compreensiva não apenas das condições existenciais e o regime governamental do Estado e dos direitos políticos dos cidadãos, senão também, nas suas bases fundamentais, a organização social, sôbre a qual se ergue a ordem política em sentido estrito), e cujo autor, além disso, tem por escopo êsse mesmo resultado específico ou assume o risco de seu advento.”

Em adição, de acordo com a teoria subjetiva, a existência de crime político não decorre apenas pela adequação da conduta a um tipo penal previsto no ordenamento como tal, mas exige, ainda, um especial fim de agir (dolo específico), consubstanciado na intenção específica do agente em ofender a ordem política.

O texto constitucional, apesar de a eles fazer referência, não conceitua ‘crime político’. Da mesma forma, também não há um conceito na legislação infraconstitucional.

Insta salientar que a jurisprudência tem considerado que somente há crime político quando presentes os pressupostos do art. 2º da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), quais sejam:

Art. 2º – Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:

I – a motivação e os objetivos do agente;

II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.

Por meio do art. 2º, II, deve-se consultar e interpretar o art. 1º do aludido texto legislativo, o que conduz a compreensão de que os crimes políticos, para serem assim considerados, devem colocar em risco a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito e a pessoa dos chefes dos Poderes da União.

De toda sorte, percebe-se que, diversamente do que se pode concluir primariamente, crime político não é qualquer crime cometido contra um político. Deve, sobretudo, lesar ou ofertar risco de lesão aos bens jurídicos indicados acima.

Para configurá-lo, é imprescindível a motivação política ou que a conduta tenha por desiderato colocar em perigo a segurança do Estado, do governo ou do sistema político vigente, além de atos que prejudiquem os interesses do Estado.

Evidentemente, pelos aspectos acima deduzidos, o delito ora objeto de comento não se enquadra a condutas desse jaez, afastando sua conotação política strictu sensu, no âmbito da Lei de Segurança Nacional.

Trata-se, em verdade, de crime comum, de natureza hedionda, motivado pelo consectário natural da imaturidade política que ainda possui contornos preponderantes na sociedade brasileira.

Perde, mais uma vez, com isso, o Brasil!

*Leonardo Pantaleão é advogado, professor de Direito Penal e Processo Penal, palestrante e sócio fundador da Pantaleão Sociedade de Advogados

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