A doce menina que existe em mim

Escritora Jociane de Andrade – Foto: Acervo Pessoal

Quando eu era garotinha, amava ficar só. Ficava como dizia meu avô, apenas pensando com meus botões. Ainda essa semana me disseram que botões não pensam, mas os meus além de pensar me respondiam. Antes uma ressalva. Mãe, não é pra me bater tá! Mas eu esperava a mãe ir pra famosa “dormidinha” da tarde e pegava uma canoa e seguia pro rio, sozinha, encontrar com meus botões. Eu olhava para eles e via um colorido diferente, às vezes conseguia ver as palavras voando com asas douradas. Um dia parei num banco de areia e comecei a desenhar no chão com meus lindos pincéis de gravetos. Era a minha criatividade chegando. A minha pequena obra de arte está cheia da maior e mais infantil liberdade de expressão. Mas eu só conseguia fazer isso sozinha, sem os olhares externos, sem as críticas ou correções costumeiras. Até que um dia um pescador amigo do meu pai me encontrou, e eu em prantos dizia “Não conta pra minha mãe”, afinal quem entenderia uma artista?

Menina na canoa – Foto: Divulgação

Então eu fui pra escola em Morcego. Local próximo a fazenda Mutum, que fica a três horas de barco do município de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Quando a professora pedia para fazer uma redação tive de trocar o graveto por um lápis. Imagina, quando voltava ela vinha toda pintada de caneta vermelha, destacando meus erros ortográficos. E eu pensava: “ O que essa professora vê que eu não vejo!” Ela só via erros, mas eu via um mundo em movimento, um quintal de alegria. Como explicar a visão de uma artista pra uma professora que só está começando?

Menina na areia – Foto: Divulgação

Aliás, a visão de artista deve ter fogos de artifício, pois espalha luz e alegria por todo lugar, eu via cores, sombras e carinho. Ela via palavra errada, concordância inadequada e falta de coesão. Sei lá, até hoje nem sei o que é isso. Passaram uns anos, cresci mostrando meus desenhos, mas não achava quem entendia. Hoje sou mulher. Nem tanto triste, nem tanto arredia. Mas existe uma diferença, eu sei o que é ser criança. Talvez ainda seja um pouco, mas hoje posso escrever pra dizer a outras mães: deixe sua filha ser criança, deixe ela ter esperança. Escrevo do meu jeito, sem formalidades, mas cheia de verdades, cheia de saudades, cheias de mim. E assim consegui encontros maravilhosos com meu próprio mundo. E quando tudo parecer perdido, deixe essa doce criança que está presa dentro de ti, florir…sorrir. Abra a tampa da caixinha de música e saia dançando por aí. Encontre seu par e vai voar. Vamos brincar de amar. Vamos brincar de viver. A felicidade te espera!

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