A histórica posse de Sônia Guajajara e Anielle Franco

Sônia Guajajara e Anielle Franco, em histórico ato, tomam posse em seus emblemáticos ministérios. Ao lado da reconstrução nacional e do resgate das políticas públicas sociais e de combate à fome, a igualdade racial, a demarcação de terras indígenas e a proteção das reservas naturais representarão a entrada do Brasil ao século XXI, depois de um retrocesso secular pelo inominável.

Sônia Guajajara e Anielle Franco – Fotos: Acervos Pessoais

Em meio a um discreto mas forte esquema de segurança por causa dos atos terroristas, tomaram posse as ministras cujas pastas são o diferencial do terceiro mandato do Presidente Lula. A Professora e Deputada Federal Sônia Guajajara (PSOL), ativista ambiental e dos direitos ancestrais de renome internacional, no recém-criado Ministério dos Povos Originários, e a Jornalista Anielle Franco, ativista de direitos da mulher, dos povos afrodescendentes e da cultura, no recriado Ministério da Igualdade Racial, uma das marcas dos governos petistas, que introduziram políticas proativas, como as cotas sociais e raciais no acesso à universidade pública e o conjunto de ações afirmativas que mudaram a condição de amplas camadas sociais brasileiras.

O dia 11 de janeiro entra para a História como o divisor de águas na formulação de políticas intersetoriais que contemplem toda a população brasileira de maneira integral e efetivamente articulada. Pela primeira vez desde a criação do Estado brasileiro, os povos originários têm a oportunidade de gerir seus destinos dentro do Governo Federal, bem como a população afrodescendente volta a ter um ministério que desenvolva o protagonismo cidadão e faça a gestão das políticas de igualdade e reparação racial.

Emblemática não apenas pelo ineditismo dos propósitos e projetos dos dois ministérios — cujas políticas foram esvaziadas sem dó nem piedade inicialmente por aquele vice que golpeou Dilma Rousseff e em seguida pelo inominável assim que infestou com seus tonton macoutes o Palácio do Planalto e passou todo o mandato sabotando qualquer iniciativa inadiável –, o desafio a que se propuseram todos os integrantes do Governo de Reconstrução Nacional de Lula é a forma articulada de efetivar políticas priorizando as amplas maiorias do País, historicamente invisíveis (constituídas por afrodescendentes; pessoas de ascendência indígena; mulheres chefes de família; crianças, adolescentes e jovens de periferia ou de localidades distantes dos grandes centros urbanos; assalariados com renda não superior a dois salários mínimos; desempregados/as, autônomos/as e trabalhadores/as em situação de vulnerabilidade econômica, educativa, social e sanitária).

Além do enfrentamento à exclusão social, cultural, educativa, econômica e sanitária, as duas ministras, em suas respectivas pastas, têm diante de si uma avalanche de questões postergadas secularmente, pois as elites tacanhas que se revezavam na gestão pública desde a chamada Independência do Brasil não permitiram qualquer compartilhamento na discussão e na tomada de decisões na questão das populações originárias e muito menos dos afrodescendentes, cuja ‘abolição da escravatura’ não lhes assegurou indenização ou aposentadoria, mas o degredo social que com muita resiliência e resistência conseguiram paulatinamente conquistar, de modo discreto e milimétrico, para não assanhar a sanha e a soberba que vêm dos tempos da casa grande e da senzala.

Sônia Guajajara se depara com gravíssimas questões ligadas à demarcação de territórios ancestrais em todas as Regiões do Brasil, sobretudo no Norte e no Centro-Oeste. Mas não é ‘apenas’ esse desafio, gigantesco por si só, que tem pela frente: a permissividade criminosa das gestões do desgoverno fascista fez com que as precárias condições de vida expusessem ainda mais os povos originários, com os garimpos nem tão clandestinos que contaminam com substâncias letais as águas e o solo das reservas indígenas e seu entorno, os madeireiros ilegais que, ao lado de grileiros de terras para atividades ilegais do agronegócio, devastaram grandes extensões de florestas; o desmonte das políticas de Educação, Saúde, Assistência Social, Desenvolvimento Local, Integrado e Solidário e de fortalecimento das Culturas e do Protagonismo Cidadão representará outro desafio de grande dimensão para a ativista incansável e sua equipe de igualmente guerreiras e de guerreiros; a adoção de novos paradigmas de desenvolvimento integrado e sustentável é, certamente, o foco de sua estratégia de ação, daí por que a necessidade de articulação com os demais ministérios do Governo de Reconstrução Nacional do Presidente Lula.

Anielle Franco, tão aguerrida quando a saudosa Irmã e referência Marielle Franco, tem à sua frente desafios tão gigantescos quanto à da Companheira de Governo: embora entre 2003 e 2016 os governos de Lula e Dilma já tivessem avançado bastante, com políticas e ações afirmativas que permitiram um discreto arrefecimento das condições desumanas a que as pessoas pretas e ‘pardas’, sobretudo das periferias e do campo, se encontravam submetidas e pudessem vislumbrar, ainda que tímida, perspectiva de realização pessoal, profissional, cultural e cidadã, o retrocesso impingido desde a intervenção golpista de Michel Temer e acentuado no desgoverno genocida do inominável causaram um enorme abismo institucional e até civilizatório em todas as frentes imagináveis nas questões de igualdade racial no País: o fascismo, fortemente aguçado a partir de 2019, acentuou o racismo, que hoje se manifesta acintosa e agressivamente, não só na violência policial e, digamos, social, mas também no campo profissional, educativo e da saúde.

A despeito do terrorismo instalado pelos mesmos fascistas que promoveram o retrocesso institucional, político, social, identitário, cultural e populacional em todo o País, as duas grandes e aguerridas ministras marcarão, ao lado de seus demais colegas de Governo de Reconstrução Nacional, uma nova era para o Povo Brasileiro. Mais que ‘apenas’ um novo Governo à luz da Democracia e do Estado de Direito, trata-se de uma governança altiva, ativa, articulada, participativa e transversal em que o terceiro mandato do Presidente Lula levará o Brasil para o terceiro milênio, tirando o País do vergonhoso mapa da fome pela segunda vez, mas, sobretudo, promovendo cidadania e protagonismo no verdadeiro Brasil profundo. Uma Nação em que todos e todas tenham voz, vez e lugar de fala.

E nunca é demais lembrar o que a História demonstra reiteradas vezes: toda vez que um ávido saqueador atentou contra os povos originários e afrodescendentes nesta América de cobiças mil esse ávido desavisado simplesmente foi reduzido a pó e mandado para o lixo da História pelas suas próprias mãos, por suas próprias ações nefastas. Como os fascistas são desprovidos de caráter e inteligência, deixarei mais claro: é melhor colocar a viola no saco e sair de fininho, porque ferir os direitos e a Vida dos povos indígenas e afrodescendentes é ‘mexer com vespas’, ou melhor, é suicídio. Ter juízo e respeito pela ancestralidade é igual caldo de galinha, não faz mal. Querem contrariar a Mãe Natureza?

*Ahmad Schabib Hany

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