O carnaval carioca é um evento que envolve um grande público, desde a produção e organização das agremiações até a plateia que assiste aos desfiles. E nas últimas três décadas (1992 a 2022), acidentes nos barracões e durante os desfiles causaram muita comoção, dentre eles, o maior incêndio ocorrido no Sambódromo, em 1992, quando um carro alegórico da Viradouro pegou fogo pouco antes do final da apresentação, quando chegava à dispersão.
Em 2003, a Unidos da Tijuca vivenciou momentos de apreensão com a atriz Neuza Borges, que caiu enquanto desfilava como destaque, na quarta alegoria.
Em 2007, chamou atenção outro incidente no desfile da Unidos da Tijuca, quando um princípio de incêndio no abre-alas assustou as pessoas durante o Desfile das Campeãs. Naquele mesmo ano, o carro abre-alas da Grande Rio pegou fogo quando já havia deixado a avenida e passava pela Rua Frei Caneca.
Em 2017, houve acidentes nos desfiles do Grupo Especial após problemas com carros alegóricos. O mais grave aconteceu no primeiro dia, no desfile da Paraíso do Tuiuti, quando 20 pessoas foram prensadas por uma alegoria desgovernada. O carro alegórico bateu na grade do Setor 1 no momento que fazia uma curva e atingiu as pessoas que estavam no local. Uma das vítimas, a radialista Elizabeth Ferreira Jofre, de 55 anos, morreu dois meses depois do acidente, após ter seu quadro de saúde agravado. Já no segundo dia de desfile, a estrutura de um carro da Unidos da Tijuca cedeu e pelo menos 15 pessoas ficaram feridas.
Em 2019, um homem que atuava como empurrador ficou ferido após tumultuada saída do carro abre-alas da Portela, na área de dispersão da Sapucaí. O profissional foi prensado entre as duas partes do carro.
Em 2020, a última alegoria da Acadêmicos da Santa Cruz atingiu parte de uma estrutura ao tentar entrar no Sambódromo, em uma situação que não deixou feridos.
Por fim, em 2022, a noite de desfile das escolas de samba foi marcada por um acidente com uma menina de 11 anos na dispersão do Sambódromo. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a menina precisou amputar uma perna, em cirurgia, mas não resistiu e veio a óbito.
Além de todos esses acidentes no Sambódromo, aconteceram também acidentes nos barracões. O último deles, inclusive, levou à interdição de todos os barracões do Grupo Especial, na Cidade do Samba, na Gamboa. O acidente foi no barracão da São Clemente, em agosto de 2017, causando a morte de um escultor de alegorias, após ele ser eletrocutado. Ocorreram fiscalizações e o Ministério do Trabalho interditou todas as atividades desenvolvidas nos barracões por problemas com instalações elétricas e falta de condições de trabalho.
Neste mesmo ano (2017), todas as escolas de samba do Grupo Especial contrataram profissionais para que fossem atendidas as exigências do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). A Acadêmicos do Grande Rio foi a única escola que investiu na contratação de uma profissional da Engenharia de Segurança do Trabalho para que todas as exigências fossem cumpridas e a escola de samba pudesse regularizar todos os setores e frentes de trabalho, conforme a legislação (as normas de segurança do trabalho — Lei n° 6.214/77 — Portaria n° 3.214/78). As demais escolas contrataram Técnicos de Segurança do Trabalho e a Liga Independente das Escolas de Samba do RJ (LIESA) contratou uma consultoria de Segurança do Trabalho para que fossem responsáveis pela fiscalização de todas as escolas na Cidade do Samba, em prol do cumprimento das exigências impostas pelo MTE para a desinterdição.
A profissional Engenheira de Segurança do Trabalho contratada pela Grande Rio, na ocasião, é a autora deste artigo. Posso relatar, portanto, a importância do investimento e acompanhamento deste setor “full time”, em todo processo construtivo, nos barracões, pois somente um setor de segurança poderá auxiliar na elaboração de procedimentos e liberação de trabalhos com acompanhamento profissional, minimizando os riscos de acidentes.
Nestes meses de trabalho para a Grande Rio, foi notória a carência de conhecimentos e informações relevantes para a saúde e segurança do trabalhador. Durante o período, foram criados procedimentos, muitos treinamentos das equipes, e acompanhamento em todos os turnos de trabalho e em todas as frentes de trabalho – soldas, montagens, trabalhos em altura, pinturas, etc.
Foram adequados para a área de Segurança do Trabalho: todas as instalações elétricas, sinalizações, investimento com E.P.I.’s (Equipamentos de Proteção Individuais), organização de toda área de trabalho, armazenamento de produtos inflamáveis, sistema de incêndio, iluminação eficiente, controle de insetos. E foram adequados para área de Saúde e Higiene: limpeza de bebedouros de água potável, limpeza dos banheiros e vestiários e refeitório. Tudo era controlado por uma equipe gerenciada por mim, com fiscalizações diárias. Foram atendidas todas as exigências documentais e do local. O barracão foi desinterditado, assim como os demais, e durante o desfile de 2018 houve fiscalizações do MTE, Crea-RJ, e CBMERJ.
Além do todo o investimento da Escola de Samba Grande Rio na Segurança do Trabalho para as frentes de serviços, foram investidos também equipamentos de segurança em todos os carros alegóricos (escada de emergência acoplada, extintores de incêndio e cintos de segurança para os ‘destaques’ acima de 2 metros de altura. O Crea-RJ exigiu as Anotações de Responsabilidades Técnicas (ART’s) para o sistema hidráulico dos carros, o sistema elétrico (a base de geradores) e para o sistema de segurança. Três importantes engenharias se responsabilizando pelo funcionamento correto de todo sistema interligado dos projetos dos carros alegóricos: Engenharia Mecânica / Elétrica / Segurança do Trabalho.
A fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro deve estar envolvida em todo processo construtivo, acompanhando todas as etapas, até o fechamento do desfile, pois as orientações para as diretorias das escolas de samba devem cumprir rigorosamente todo o procedimento detalhado pelo Crea-RJ para que não haja mais acidentes durante a construção dos carros nos barracões, o deslocamento até o Sambódromo, durante o desfile e na dispersão.
Todos os cuidados devem ser redobrados para que não ocorra mais nenhum tipo de acidente, em todos as etapas do carnaval.
*Rachel Pires é Conselheira Regional do Crea-RJ; Mestre em Desenvolvimento Local; Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho, em Auditoria, Avaliações e Perícias de Engenharias e em Engenharia Sanitária e Ambiental; Docente no curso de Bacharelado em Engenharia Civil da UNISUAM; atua desde 2004 no mercado da construção civil.