A covid-19 tem gerado uma série de reflexões nos setores produtivos da sociedade moderna. A principal dela é a uma maior inserção da tecnologia como um dos pilares para a construção das relações de trabalho. Dentro desse período, ficou evidente a importância de que empresas e funcionários estejam integrados às novas práticas tecnológicas para manter as operações funcionando ou, até mesmo, criando formas de desenvolver negócios, e isso não foi diferente com a mobilidade global de pessoas. Essa intensa movimentação de profissionais, no atual cenário, trouxe à discussão a aplicação da prática de virtual assignment.
O virtual assignment é quando um indivíduo é responsável por executar tarefas e operações em local diferente daquele onde reside ou trabalha fisicamente. Naturalmente, o objetivo é que o trabalhador tenha a possibilidade de fixar a residência física em um determinado país e atuar, remotamente, em outro que pode ser ou não o país da empresa que o está contratando. Por conta de questões imigratórias, tributárias, trabalhistas e previdenciárias, observam-se diversos dilemas que impactam essa prática.
Com relação ao aspecto imigratório, há intensas discussões de profissionais e autoridades do ramo de mobilidade global que fazem os seguintes questionamentos: no caso de o executivo atuar em outro país, há necessidade de uma autorização de trabalho ou visto concedido pelo país beneficiado pelas atividades do profissional estrangeiro? Ou o estrangeiro deve seguir a dinâmica dos vistos tradicionais? Por que não modernizar as legislações ou adaptá-las conforme o caso? Um exemplo recente é que as autoridades de Barbados e da Estônia comunicaram que foram criados programas de vistos específicos para essa nova modalidade de imigrantes.
Sobre o aspecto tributário, nesse caso, acabam surgindo implicações para os profissionais e empresas, pois, deve-se analisar a aplicação das regras sobre residência fiscal, tanto do país de permanência do funcionário, como daquele que se beneficia do trabalho. Algumas nações assinaram tratados tributários internacionais que possibilitam, em muitos casos, evitar uma dupla-tributação quando o profissional tiver obrigações fiscais em mais de um país. Entretanto, a grande maioria desses acordos foi assinada em período “pré-digital” quando ainda não havia previsões sobre trabalhos remotos internacionais. Dessa forma, uma análise profunda das obrigações tributárias deve ser realizada.
Com relação às questões contratuais e trabalhistas, embora alguns países adotem regras mais flexíveis e dinâmicas, raramente encontram-se previsões legais, no exterior, com relação à virtual assignment. Com isso, no caso do Brasil, é preciso entender o que as autoridades trabalhistas brasileiras realizam na prática, principalmente, quando alinhadas com as questões trazidas pelo direito internacional.
Do ponto de vista previdenciário, também se nota um aumento das discussões internacionais relacionada à aplicação das disposições e obrigações de seguridade social para os indivíduos em relação à prática de virtual assignments. Da mesma forma que existem questionamentos com relação aos aspectos tributários e trabalhistas, também existe a mesma percepção sobre a questão da previdência.
Quando falamos sobre mobilidade global de pessoas, sabemos que existem outros aspectos além dos já citados que merecem atenção das empresas e dos profissionais sobre o virtual assignments. Entre eles, estão os riscos de caracterização de estabelecimento permanente, políticas de expatriação flexíveis e inclusivas, remunerações e benefícios condizentes, desenvolvimento dos profissionais, entre outros. Entretanto, muitas empresas com profissionais em mobilidade internacional já estão focadas na revisão de processos para aplicar tal prática, visando a redução de custos como também a mitigação de riscos, porém essa não é realidade de todas.
Diante de tantas incertezas, diversas medidas podem ser adotadas para gerenciar e minimizar os riscos, bem como o provável impacto nas futuras modalidades de trabalho, como a revisão de custos, maior uso de tecnologia, envolvimento de um grupo mais amplo de partes interessadas e execução de uma ampla análise de riscos envolvidos. A adoção dessas medidas pode assegurar às empresas um melhor gerenciamento das obrigações relacionadas a essa prática, pois não há dúvidas sobre a importância de se analisar a fundo todos os aspectos envolvidos no virtual assignment, bem como os processos de mobilidade internacional. A área de mobilidade global e os profissionais assumem um novo patamar, confirmando ainda mais a grande relevância e impacto nos negócios das empresas.
*Janine Goulart é sócia-líder de da área de mobilidade global da KPMG