Quando eu disse em uma de minhas frases autorais que “A poesia mora na palavra”, referi-me à arte original, que é a essência da criação humana. Nesse sentido, reporto-me a um ensaio literário assinado há cerca de três anos pelo ilustre poeta e crítico Gilberto Mendonça Teles, que – ao analisar obra de Rubenio Marcelo – assim asseverou sobre este autor de Vias do Infinito Ser: “é um poeta consciente do seu trabalho. Conhece e procura conhecer cada vez mais as filigranas da arte poética. Basta ler um de seus livros para se ter ideia do seu comportamento diante da Palavra, assim mesmo, com maiúscula, para dar relevo ao sentido do Logos / Verbum com que (antes, durante e “depois”) a Palavra é tratada por ele. (…) Uma das estratégias que me seduziu na leitura da poesia de Rubenio Marcelo foi a possibilidade de conjugar o pensamento de Heidegger, para quem a linguagem é a morada do Ser, com a afirmação do evangelista (João II,2), de que ‘Na casa de nosso Pai há muitas moradas’. Ambos reafirmam aristotelicamente o lugar / a morada do Ser na linguagem: um ontologicamente; outro na metafísica teológica, pelo menos na de Santo Tomás de Aquino, onde o Ser permanece como sujeito da metafísica e Deus o sujeito da teologia. (…) O que se conta, entretanto, é o sentido maior de sua inquietação poética: a de fazer da experiência com a linguagem a sua residência, o seu lar, a sua visão cotidiana”.
Sim, o consagrado crítico literário nacional e professor Emérito da PUC-Rio, Gilberto Mendonça Teles, resume (nestes abalizados trechos supracitados) pontos essenciais da poética rubeniana, máxime a base de identificação heideggeriana que viceja em grande parte do livro de poemas Vias do Infinito Ser (Ed. Letra Livre, 2017): obra indicada atualmente como leitura imperativa para o Programa de Avaliação Seriada Seletiva e para o Vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – e que inclusive está indo para a segunda edição.
Dentre outras importantes assertivas, Martin Heidegger (1889 – 1976) timbrou hermeneuticamente que: “o tempo é o homem”; “no existir do ser humano está em jogo o seu próprio ser”; e “a linguagem é a morada do Ser”. Por sua vez, o poeta e romancista Carlos Nejar diz: “Sou o que são minhas palavras”. Assim, na ótica metalinguística e no aspecto existencial, podemos assegurar que: o ser scribendi é seu ato criativo; o ser humano: suas ações no tempo. Ademais, como bem enfatizou o crítico literário e professor José Fernandes, em prefácio de Vias do Infinito Ser, o ser-no-mundo pode se aproximar do infinito através da linguagem: na concepção do belo, do sublime: o poema, criações autorais marcantes que se ‘infinitizam’; ou por suas ações-presenças de virtudes, que se tornam exemplares através do tempo. É isto que, simbolicamente, está contido em muitos dos poemas do livro de Rubenio Marcelo. Há nele predominância de transcendentes reflexões e poemas identificados com: a metalinguagem, o sentido existencial, e certas intertextualidades.
A propósito, o poema título do livro: Vias do Infinito Ser (pág. 40) é emoldurado em versos que simbolizam aspectos da metalinguagem (numa ótica) e do existencial: o Ser no mundo (o Dasein, de Heidegger), noutra. O Ser “se infinitiza” através da linguagem: na criação de marcantes textos autorais, que vencem o tempo; ou através de suas atitudes procedimentais, exemplos deixados para as gerações: “da noite para o dia / silentes instantes / tornam-se eternos…” – aqui temos, por um lado (metalinguagem): sair da escuridão da linguagem, captar a revelação do poema, da clara palavra, da obra estética que ficará; e por outro lado (existencial): o Ser em busca do caminho iluminado, o caminho da virtude, para a sua ação exemplar e imortal. Em tudo, pulsando também metaforicamente no contexto, a harmonia entre o espiritual e o material.
Quem também muito bem observou, em análise crítica recente de Vias do Infinito Ser, foi a professora, poeta e ensaísta Ana Maria Bernardelli, estudiosa da referida obra, que assim registrou com propriedade: “Do tecido poético de Rubenio Marcelo afloram conceitos filosóficos, voltados alguns deles a ideias de Heidegger – reflexões sobre a existência humana por meio de uma interrogação sobre o sentido do Ser – quando o poeta questiona o próprio modo de ser, de habitar o mundo e de conduzir a própria vida, com intuito primeiro de compreender o sentido da existência humana”.
Portanto, de parabéns a UFMS por esta tão justa indicação e louvável inclusão no conteúdo programático dos seus importantes exames de ingresso aos cursos de graduação. Bem estruturado em metáforas, pulsantes símbolos (que envolvem e revelam) e modernos recursos imagísticos, com ritmo natural e discreta musicalidade, perscrutando a essência do Verbo que conjuga o ser, Vias do Infinito Ser confirma infinitude poética em cada verso, criado como um fio de sensações cósmicas interligando astros e nos conduzindo ao misterioso princípio/fim da existência. Com sensatez, a nossa saudosa mestra Maria da Glória Sá Rosa afirmou que: “Rubenio Marcelo é exímio construtor de metáforas; sua reflexiva poesia é, acima de tudo, um iluminado e consciente estado de espírito”. Já o imortal Carlos Nejar, na contracapa da segunda edição do livro, atesta: “O poeta Rubenio Marcelo tem a consciência de cavaleiro andante da Palavra, como o tempo, que ao caminho sonda”.
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*José Pedro Frazão é professor, escritor, jornalista, poeta e romancista, membro da ASL, autor de várias e reconhecidas obras. Atualmente está finalizando a produção do livro autoral A Saga Desbravadora de Afonso Martins Paim – uma biografia romanceada, contextualizada no período pós-Guerra Guasú, em plena ocupação brasileira do sul de Mato Grosso. Autor de poemas, crônicas e contos premiados, Frazão também é autor do romance Inferno Jamais, publicado sob o heterônimo de Abel Vicente, bem como dos romances ecológicos: Nas águas do Aquidauana eu andei e Tuiuiú my Brother.
Excelente texto crítico literário sobre este grande livro de poemas. Vias do Infinito Ser realmente é uma obra poética que nos faz refletir perante o cotidiano e nossas ações. Muito justa a indicação. Precisamos de boa poesia.