As pessoas que tiverem boa memória haverão de lembrar-se que já na campanha de 2018 a mentira fazia parte da estratégia que levou à vitória os áulicos que passaram a povoar a esplanada de Brasília.
Antes mesmo da célebre “fakeada” que poupou o medíocre candidato dos debates que o teriam nocauteado no começo do primeiro turno, o uso sistemático de mensagens mentirosas – as tais “fake news” – foi recorrente e meticulosamente planejado.
Mentiras aparentemente pueris até verdadeiros atentados à dignidade de adversários, desde então tratados como inimigos (próprios daqueles que, na falta de argumento e propostas de governo, recorrem ao delírio e ao pânico dos desavisados para angariar credibilidade e prestígio), tornaram 2018 o ano do estupro à democracia.
O uso das redes sociais foi, de longe, a principal trincheira de uma guerra ideológica. A propaganda pela televisão, também ao estilo da guerra fria, com uma voz grave como a utilizada nas campanhas imemoráveis dos anos 1960-1970, não apenas deu o contorno subliminar castrense que avalizou um inepto quase desertor como salvador da pátria, mas eixo-motriz de recursos nada ortodoxos, nas democracias modernas, maquiados de patrioteiros.
Aliás, o rótulo auriverde foi em parte responsável pelo triunfo de uma campanha destituída de propostas, planos e projetos. Era o negacionismo e a orgástica patriotada se misturando a uma perniciosa vontade de destruir tudo que pudesse lembrar o período Lula-Dilma, que inegavelmente distribuiu oportunidades a todos os segmentos sociais do país-continente que despertava para uma fase soberana.
A “aglomeração cívica” (ou, melhor, cínica!), quase um condomínio como o da Barra, nunca apresentou qualquer esboço que pudesse ser chamado de plano de governo. Apenas “fake news”, ofensas gratuitas e ameaças. Tanto que quando chegou ao Planalto não tinha qualquer medida de impacto para “causar”, para servir de divisor de águas.
Rótulos à parte, por que Guedes, Moro e Malafaia passaram a integrar o condomínio verde-amarelo? Qual é o traço de união entre essas personalidades aparentemente tão díspares?
A mentira. Cada qual em sua atividade, o abuso da mentira é uma característica comum. O chefe, grande blefador, desde os tempos da caserna (e mais ainda em sua obscura trajetória parlamentar de quase três décadas). O pinochetista e banqueiro falido (e que também ajudou falir o Grupo Abril ao assumir o comando da Abril Educação), engrupiu seu líder ao se apresentar como “posto Ipiranga” e dizer que o mercado lhe daria apoio incondicional ao seu lado. O vaidoso e medíocre juizeco provinciano que achou que podia enganar todo mundo, idem (só se esqueceu de combinar com os seus perseguidos, muitos deles com grande respaldo popular, como Lula). Talvez o mais habilidoso de todos, até por força da elevada concorrência que hoje seu ofício encontra, seja o autoproclamado bispo neopentecostal, do tipo “vende mas não entrega” (não precisou estar no ministério, tem vários deles ao seu serviço).
O grande problema que o mentiroso, de tanto mentir, acaba acreditando nas próprias mentiras, aí vira refém de si mesmo. É o que passou a atrapalhar as relações entre os “superministros” e seu chefe. Não que fossem incompetentes, mas os problemas foram avolumando (os reais, em especial).
Aquele que diz ser o dignitário queria que seu “posto Ipiranga”, seu juizeco-ministreco e os demais ocupantes de cargos do primeiro escalão tirassem de suas cartolas a panaceia milagrosa do Messias (sic), e pronto, o Brasil verde-amarelo já estaria como por encanto nas prateleiras dos supermercados, pronto para o consumo.
Para muitos, são os aliados do mercado os que o mantém no palácio. Pode até ser. No entanto, se pensarmos bem (e isso vale como autocrítica para os setores progressistas), a oposição o tem ajudado com seu excesso de vaidade. Principalmente do Ciro Gomes, muito ensimesmado, arrogante e contraditório. Mas não é o único, logo aparecerão os outros, igualmente precipitados, sobretudo num momento como este.
Se algum parlamentar bem articulado tivesse a iniciativa de elaborar um projeto de lei na Câmara dos Deputados tornando a mentira de agente do Estado crime passível de sanção penal, não duvido que muitos integrantes desse (des)governo iriam para o olho da rua, aliás, de onde saíram para chegar ao poder, sem qualquer comedimento nem prudência.
Mais que medida saneadora, trata-se de um mecanismo de defesa da democracia, pois é recorrente o desejo dos mais poderosos de inaugurar um regime, sob a capa auriverde e o manto da impunidade…
*Ahmad Schabib Hany