Quando certas pessoas se incomodam com a distinção de determinadas datas, marcadas como dias especiais, com o argumento de que todo dia é especial, dentro do possível, deve-se avaliar este comportamento. Isto, porque, não obstante a notória importância da ação, instituição ou personagem, em todos os dias do ano, estas datas servem para chamar a atenção quanto à relevância deste homenageado num contexto social, seja no âmbito da família, de qualquer outra instituição ou da nação como um todo.
Celebra-se o dia do nascimento de cada indivíduo, o dia das núpcias de um casal, dia da criação ou da fundação de uma instituição, mas celebram-se também dias de personagens considerados ícones numa cultura, como o dia dos pais, das mães, dos avós, dia do professor, do médico, do arquiteto, do engenheiro, do advogado, etc., bem como dias alusivos a ações ou atos considerados nobres, como o dia da preservação do meio ambiente, dia da abolição da escravatura, dia da luta pela Educação Inclusiva e o dia da Alfabetização, dentre tantos outros já existentes.
A partir do ano de 1966, passou-se a celebrar, no dia 14 de novembro, o Dia Nacional da Alfabetização.
A escolha desta data não foi por acaso, mas alusiva ao dia do Decreto Lei 19.402, de 1930, que marcou a criação do Ministério da Educação, na época, Ministério da Educação e Saúde Pública.
Deste modo, neste ano de 2020, não se celebrará somente o Dia Nacional da Alfabetização, mas também os 90 anos de existência do Ministério da Educação.
O destaque de determinadas datas não serve apenas para uma celebração, uma homenagem, mas também para se refletir acerca do tema que fundamenta a homenagem.
Particularmente, no dia 14 de novembro, a reflexão não deve ser feita apenas sobre a importância da Alfabetização, mas também sobre a falta de políticas públicas específicas no âmbito da Educação.
Até a Constituição Nacional promulgada em 18 de setembro de 1946, em nenhuma das quatro anteriores fixou-se a necessidade de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional.
Considerando-se o Brasil como nação livre e soberana, a partir de sua independência, em 1822, foi necessário mais de um século para se ter um órgão de governo responsável pela Educação, em nível de ministério, mesmo sabendo que ainda não era exclusivo, pois tinha agregado a ele também a responsabilidade pela saúde.
Concentrando-se sobre o tema Alfabetização, a reflexão deve ser feita, sobretudo, pelo fato de o Brasil ser um país de grande potencial econômico, ao mesmo tempo em que apresenta uma nação, ainda hoje, com uma parcela significativa de analfabetos.
No final da terceira década do século XX, a taxa de analfabetismo no Brasil beirava 60% da população, em meados da década de 1960, esta taxa melhorou, porém, ainda era preocupante, chegava a quase 40% e, neste ano de 2020, a taxa de analfabetos no país é da ordem de 7%.
Como se vê, o índice de analfabetismo no Brasil, em comparação com seu poder econômico, ainda é paradoxal.
Depois destas ponderações, percebe-se claramente que é importante ter no calendário nacional dias temáticos considerados especiais, pois servem para reflexões acerca da razão de serem assim considerados, todavia, lembrando-se sempre que são dias de celebração e não necessariamente de festa.
A razão de se destacar a data de 14 de novembro no Brasil é a de se ter, pelo menos, durante um dia por ano, uma reflexão sobre este tema tão caro para toda a nação, e com isto evitar que no futuro não se repitam os cinco “se” mencionados a seguir:
– Se o Brasil não tivesse demorado mais de 120 anos para ter em sua Constituição Nacional a exigência de uma Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional, talvez, não teria chegado na metade do século XX com o preocupante índice de 50% de sua população analfabeta.
– Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, preconizada na Constituição de 1946, não tivesse demorado 15 anos para existir, possivelmente haveria bem antes da década de 1960 uma ação nacional de alfabetização da população.
– Se em 1968 anunciou-se uma ação de governo denominada MOBRAL, Movimento Brasileiro de Alfabetização, para se tentar reduzir o índice de analfabetismo, foi porque as crianças da década de 1950 não foram alfabetizadas.
– Se durante a vigência do MOBRAL, ao mesmo tempo, as crianças da época tivessem sido alfabetizadas, seria desnecessário a proposta da EJA – Educação de Jovens e Adultos, na Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996.
– Se ainda hoje é necessário a existência da EJA, é porque ainda existe uma grande parcela da população que se serve dela, não só para melhorar sua autoestima, mas para melhorar seu poder de competitividade no mercado de trabalho e possuir melhores condições de governabilidade de sua própria família.
Diante de tudo isto, espera-se que o Brasil não cometa mais estes atos que tanto comprometeram os rumos da nação.
Saudações para os dias comemorativos. Viva 14 de novembro, o Dia Nacional da Alfabetização.
*Ítalo Francisco Curcio é Doutor e Pós-doutor em Educação, é Coordenador do curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie