Por essa nem Dias Gomes e sua até então inusitada personagem Odorico Paraguaçu, na imortal O Bem-Amado, haviam protagonizado ou mesmo imaginado.
No mesmo dia em que o obcecado psicopata que se apossou da cadeira presidencial celebrou com visível morbidez vampiresca a troca de seu ministro da Saúde — por não ter “acatado” sua apocalíptica vontade psicótica de ver caixões fúnebres enfileirados, “como em Nova York” de seu amado amo e senhor Donald Trump —, o altivo prefeito de Três Rios (RJ), Josimar Salles (PDT), fez uma denúncia estonteante: o Exército enviou ofícios aos chefes de juntas municipais de Serviço Militar de cidades vizinhas à região metropolitana do Rio de Janeiro para mapear cemitérios em condições de fazer funerais em massa por causa da pandemia da covid-19.
Ora, se o Exército Brasileiro designa seus subalternos para realizar um levantamento dessa natureza, diferentemente do discurso do ex-quase-desertor, não se trata de histeria, tem uma razão, algo que requer previsibilidade. Portanto, não se trata de “gripezinha” nem de histeria, ou sensacionalismo da imprensa. E não custa reiterar: a pandemia ainda não atingiu o ápice no Brasil. Razão pela qual, ainda que possamos ter posições ideológicas opostas com o agora ex-ministro Henrique Mandetta, a condução do Ministério da Saúde estava no caminho correto: medidas de isolamento social, etiqueta social e higiene são a melhor forma de contribuir para evitar o que agora parece inevitável, o colapso, a exaustão do sistema de saúde, que no Brasil é patrimônio nacional e tem nome, Sistema Único de Saúde.
O que faz aquele que deveria liderar o enfrentamento à pandemia? Irresponsavelmente, em meio à ascensão da curva da contaminação e dos óbitos (mais de 30 mil infectados e mais de 1.700 óbitos no dia 16 de abril), realiza uma troca de comando por pura inveja, própria de recalcado: sai um dos poucos ministros que disseram a que vieram para dar lugar a um, com todo o respeito, “médico bem-sucedido” que nunca foi gestor público. Esta data, aliás, entrará para a História como o “Dia da Troca” — logo ele que na caserna era conhecido por outras trocas, bastante constrangedoras, por sinal —, até porque Nelson Teich, precisamente um ano antes de sua posse como ministro, andou falando mais que a boca e já tem um vídeo “viralizando” na blogosfera: em momentos críticos, não terá qualquer constrangimento de decidir pelo óbito de um idoso em razão da otimização dos parcos recursos do sistema de saúde.
Nada mais tristemente eloquente da necropolítica inaugurada por um parasita que passou quase três décadas no parlamento e simplesmente não fez nada, nem pela sua clientela — neste caso, o termo não está fora de lugar, pois a prática é de clientelismo —, melhor representada pela quadrilha que diz ser família. Não é preciso ser iluminado ou gênio para depreender que o relaxamento — afrouxamento, ou “flexibilização” — das medidas de isolamento/distanciamento para a necessária contenção da infecção pelo novo coronavírus atende a uma lógica perversa, funesta, nefasta, mórbida, psicótica desses seguidores da necropolítica que tomaram de assalto os destinos da nação. E o pior é que a sociedade civil ainda está deitada eternamente em berços esplêndidos, para vergonha de nossas gerações perante os que vierem depois de nós.
Dias atrás, o respeitado cientista brasileiro Momtchilo Russo, titular de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), se deu ao trabalho de fazer um artigo jornalístico (leve, mas com todo o rigor científico), por sugestão de seu ex-professor, o também respeitado cientista Bernardo Vargaftig, hoje aposentado pela mesma instituição, dando uma verdadeira aula sobre as razões das medidas adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a não prescrição generalizada de determinadas drogas (como aquela que um ignorante da Medicina quer impor porque “o chefe sou eu”), as possibilidades de tratamento que a ciência começa a cogitar e até sobre as possíveis vacinas para a covid-19.
Mas o mais importante em seu artigo, que mereceu o título inclusive, é que é imprópria a visão militarista da covid-19, sobretudo, porque as forças armadas de qualquer parte do mundo não estão preparadas para combater um inimigo com as características do novo coronavírus. Entre as tantas razões científicas que apresenta de maneira didática, observa que o enfrentamento só pode ser realizado de modo biológico, isto é, científico, não por arrogância ou soberba, mas por critérios que só as pessoas dedicadas à ciência sabem lidar e com o cuidado que este vírus, ainda desconhecido inclusive para elas, requer. [O artigo encontra-se compartilhado em nosso blogue, disponível pelo link <https://schabibhany.blogspot.com/2020/04/visao-militarista-sobre-covid-19-e.html>.]
Mas não, o estrupício que foi colocado no Planalto não lê nem mensagens de outdoor, tamanha sua dificuldade com a leitura. Talvez desenhando, o grande Ziraldo pudesse equacionar esse drama para a humanidade radicada neste torrão querido.
Em síntese, ou nos mantemos cúmplices de um psicopata que não tem noção do caos que irá promover e permanecemos inertes diante de tanta aberração à luz do dia — dia por enquanto, porque ele quer mesmo é a volta da noite, do obscurantismo medieval, como bom vampiro saudosista da (mal)ditadura —, ou saímos do “armário” e, respeitando as medidas de isolamento/distanciamento, rompemos a inação e começamos a construção urgente de uma transição democrática, inclusiva e em favor da Vida. Não é mais possível assistir às diatribes de um coveiro travestido de dignitário, como que causasse pavor com esse olhar desfocado e esse raciocínio reticente com que se dirige ao mundo. Nem o imortal Charles Chaplin, do alto de sua genialidade, teria sido capaz de interpretar algo tão bizarro e perigoso…
*Ahmad Schabib Hany