A greve dos caminhoneiros durou 10 dias, se estendeu por todo o país e mobilizou boa parte da nação. Após o compromisso do governo federal de reduzir o preço do diesel e atender outras demandas da categoria, a mobilização foi se encerrando gradativamente. As demandas da categoria, no entanto, ainda seguem em disputa, e todo o processo não causou, mas deixou expostas algumas graves feridas.
As primeiras feridas são políticas e econômicas, que ainda sangram – a fragilidade do governo Temer, escancarada pela queda do presidente da Petrobrás, Pedro Parente, e pelas críticas à política de preços dos derivados de petróleo no país, atrelada ao mercado internacional, sujeita às variações no preço do dólar e do barril de petróleo. Outra lesão que não passou despercebida foi na esfera da comunicação: a influência dos meios tradicionais na política e na vida das pessoas, bem como o papel das mídias sociais não são detalhes.
Entre depoimentos de militares da reserva; vídeos compartilhados nos grupos de WhatsApp da família e o “boa noite” do Willian Bonner, ficou difícil para a grande maioria da população diferenciar notícias de boatos. A hiperinformação desinforma de tal maneira que a população não conseguiu até hoje decifrar as manifestações: Greve ou um locaute? Houve interferência política com cunho eleitoral? Independente das respostas, os custos das concessões, da forma como foram feitas, recairão nas costas do povo.
Há ainda uma lesão social: a evidente falta de identidade entre cidadãos das mais diversas classes e a intensificação da polarização politica que tomou conta do país desde 2013. Mas a mutilação que vou abordar com mais profundidade neste artigo é infra estrutural – trata-se de uma negligência histórica e intencional na gestão dos sistemas de transporte hidroviário e sobre trilhos, causando uma dependência criminosa do país em relação ao modelo rodoviário, tanto na esfera federal quanto nos estados – seus responsáveis tem nome, partido e projetos políticos.
Em São Paulo, por exemplo, a rede ferroviária data do final do século XIX, induzida pela produção de café. Até o início da década de 1970 o governo do Estado tinha o controle das companhias Mogiana e Sorocabana; da estrada de ferro São Paulo-Minas e da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que juntas formaram a FEPASA, com milhares de quilômetros de ferrovias para o transporte de cargas e de passageiros. A partir de 1996, com os tucanos Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas na presidência da República e no governo do Estado, teve início um processo mais radical de federalização e privatização das ferrovias paulistas, que hoje atendem apenas interesses corporativos.
O descaso dos tucanos com as ferrovias paulistas teve sequência nas gestões de Geraldo Alckmin, evidentes tanto no Metrô, que até hoje não saiu da capital, quanto na CPTM, que avança em ritmo de tartaruga. Soma-se a isso as constantes panes nos sistemas e acusações de fraudes. O Estado precisa retomar a responsabilidade de um setor estratégico para o desenvolvimento do país; expandir esta malha e democratizar o acesso. O mesmo vale para o transporte hidroviário, que seria uma opção caso houvesse interesse político. No entanto, os modelos de concessão adotados e a falta de diversidade nos modais de transporte criaram uma espécie de monopólio do sistema rodoviário – mais caro, poluente e inseguro.
Nestas condições, é evidente que precisamos reduzir os encargos sobre os caminhoneiros, mas não podemos esquecer que a diversidade nos modais de transportes é a única maneira de atingir um desenvolvimento pleno, gerando empregos, garantindo prioritariamente o abastecimento interno e ampliando a competitividade da produção nacional no mercado externo.
*Marcos Martins é deputado estadual